quinta-feira, 18 de janeiro de 2018

Campo minado

Billy Elliot

(dramédia,
UK, 2000),
de Stephen Daldry.



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por João Mors Cabral
Contracampo/2000

Ver um filme no cinema nunca é tão fácil como qualquer um gostaria. Não basta sentar na cadeira e simplesmente olhar a tela preparando uma avaliação pessoal para o final que vai dizer se o que se viu é bom ou ruim. Ir ao cinema envolve muito mais. Pode ser muito doloroso, incômodo, instigante se, é claro, estivermos dispostos a sentir prazer desvendando as construções obscuras do filme. Natural para uns, nem tanto para outros, o importante é saber que sempre se pode perceber muito mais do que se julga possível em qualquer obra. Um ponto de partida: nunca separar o filme do seu contexto.

Quando se faz isso com Billy Elliot o filme deixa de ser apenas a comovente estória do garoto que deu duro, enfrentou preconceitos e se tornou um bom bailarino para passar a ser uma obra politicamente posicionada e comprometida com algum julgamento social. O filme que é muito bem filmado, escrito e dirigido, ele que tem uma reconstituição de época perfeita, que é impecável cinematograficamente, vira um projeto muito bem estruturado de difusão de ideologia trabalhista neoliberal inglesa. Muito perigoso.

Se for impossível não ser chamado de maldoso, por querer achar coisas feias até no mais inocente dos filmes, é igualmente impossível ignorar esse lado comprometido com o discurso econômico e social dominante existente em cada pedaço de Billy Elliot. Justamente por trás do menino que dança balé e seus conflitos está o retrato de uma Inglaterra formada por uma classe trabalhadora que luta por seus direitos, faz greve, briga com a polícia. Mas trata-se de uma reconstituição de época. Isso é passado e filmar tal mobilização no presente exige uma crítica ligada a essa atualidade. Se a intenção é fazer com que todos pensem que os problemas, conflitos da classe trabalhadora são os mesmos, assim como suas soluções, comete-se um erro grosseiro. E é exatamente aí que está todo o perigo do filme. As relações de trabalho no “novo capitalismo global” mudaram. Direitos trabalhistas são descartáveis. A terceira via, tão defendida por ministros ingleses sabe disso, mas, traiçoeira, mente. Seus discursos recheados de boas intenções são a fachada que tapa o festival de desmonte de direitos da classe trabalhadora.

E Billy Elliot mostra um passado de glória, mas foi filmado agora, em plena época de destruição das conquistas ali alcançadas. Fenômeno muito comum hoje em dia. É mais um para falar sobre justiça trabalhista sem realmente agir. Nem um reflexo de ação na estética. Tudo está contido, muito hermeticamente fechado no discurso. Isso sim é o mais claro caso de cinema de catarse.

Aceitação total de uma realidade, sem esboçar uma crítica sequer. Lembro que esse é o primeiro longa de um diretor que já trabalhou bastante na BBC, o mais importante instrumento de controle de massas, vinculado aos interesses do estado que faz trabalhadores de bobos.

Billy Elliot me mete medo. Torço o nariz, desconfio. Sou maldoso mesmo.

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