sexta-feira, 20 de janeiro de 2023

Linhas tortas

Sai de Baixo: O Filme
 
(farsa,
BRA, 2019),
de Cris D'Amato.
 
 

por Paulo Ayres

O longa-metragem derivado da saudosa série Sai de Baixo (1996–2002) conseguiu captar bem a essência do antigo programa televisivo, desde a produção tumultuada até o próprio texto, que inclusive possui comentários metalinguísticos sobre as dificuldades de realização do filme. Em resumo, o conteúdo de trambicagem e fracassos no ritmo do vaivém de atos teatrais. 

O roteiro de Miguel Falabella foi sofrendo vários tratamentos nos bastidores com imprevistos e negociações, resultando numa colcha de retalhos em que as personagens entram no foco narrativo como deixas marcadas e cronometradas. O timing da farsa está no ponto. Magda (Marisa Orth) continua gostosa e burra, embora diga que se tornou uma mulher “empoleirada”. E a Vavatur, com efeito, se materializa num extravagante ônibus rosa como fachada para mais um golpe, desta vez em idosas cristãs rumo a Foz do Iguaçu. Enquanto isso, a “fachada” dos personagens, trazendo o peso da idade nos corpos mais envelhecidos, também funciona como um interessante golpe visual ao indicar, no decorrer da trama, que estas rugas não trouxeram a responsabilidade cidadã (algo ligado à imagem da velhice). Este núcleo familiar que vive no Largo do Arouche, independente de qual apartamento ou da combinação das figuras presentes como “puxadinhos”, é um ninho afetuoso de cobras. Os mesmos pobretões — Ribamar (Tom Cavalcante) e sua nova companheira Cibalena (Cacau Protásio) — que estendem a mão aos ex-patrões falidos são os que, posteriormente, tentam passar a perna na família Antibes. No melhor estilo ladrão que rouba ladrão.

O que joga contra Sai de Baixo: O Filme é a necessidade de se esticar e dividir o seu núcleo conflitante com um clima fajuto de perigo trazido por dois vilões anexados (ambos feitos por Lúcio Mauro Filho). Isso é feito como uma manobra para afirmar o filme como uma sátira edificante, com direito a uma intervenção policial corretiva (ainda que não totalmente) e um happy ending musical. Todavia, uma história em que há o ardiloso Caco Antibes não precisa de vilão... E há dois Cacos. O filho adulto ganha espaço devido aos reveses da produção. O acaso, deste modo, tanto injetou na farsa de Cris D'Amato um clima bem-vindo de improviso, de gambiarra, como, por outro lado, realçou as limitações desse universo expandido, não evidenciadas na tosquice dos episódios teatrais.

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[0] Primeiro tratamento: 05/01/2021.
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