You Don't Mess with the Zohan
(farsa,
USA, 2008),
de Dennis Dugan.
por Paulo Ayres
Para entender a maior contradição que há em You Don't Mess with the Zohan é preciso ter um conhecimento de antemão, não desenvolvido no filme: sionismo é racismo. Nesse sentido, fica clara a incoerência de uma farsa com mensagem pacifista e antirracista com um protagonista que é um militar israelense. Todavia, esse é apenas o ponto de partida. A intenção de Adam Sandler é fazer de Zohanele “Zohan” Dvir um desertor (que finge que foi morto numa explosão) e levar a ação para a América. Em Nova York, ele é apenas um solteiro poliamoroso — com a falsa identidade australiana de Scrappy Coco — tentando realizar seu sonho de se tornar um cabeleireiro em algum salão.
Para parecer sensato e com ar de superioridade moral, o roteiro — que conta com Judd Apatow na elaboração — busca o tom de imparcialidade nas falas resolutivas. A construção de personagens, no entanto, contradiz isso. Lutadores palestinos são simplesmente tratados como “os terroristas” na trama (John Turturro interpretando o arqui-inimigo). Diferente do Estado terrorista de Israel. Este é camuflado com o verniz de oásis progressista no Oriente Médio. O apartheid israelense se transforma numa “guerra” com forças
niveladas, quando, na verdade, se trata de colonialismo com forte
aparato e a resistência árabe. O que vaza para o texto, então, são os cacoetes da esquerda liberal estadunidense. Não é sem razão que a direita cristã se desloca como a real vilã (em solo estadunidense) e Mel Gibson vira referência negativa em piadas.
Por ser o Sandlerverso em abordagem farsesca, You Don't Mess with the Zohan oferece um painel mais cínico do estilo de Sandler e, ao mesmo tempo, mais sincero de sua construção. A maneira como o amor romântico é encaixado nessa sátira edificante, por exemplo, é de uma estupidez tão direta que se pode ver como esse mecanismo é feito em filmes mais “sérios” por aí. Entretanto, estamos no mesmo terreno conciliatório. Além de afirmar a hipocrisia monogâmica, o Romeu israelense se descobrindo apaixonado pela Julieta palestina (Dalia feita por Emmanuelle Chriqui) sublinha o principal tema do enredo: a defesa ingênua de uma paz abstrata e a imagem dos Estados Unidos como terra da liberdade e do empreendedorismo.
O que a farsa tem de melhor é aquilo que alguns consideram o seu defeito. O mau gosto absoluto, canalizado numa ideia refinada, expondo um traço cotidiano que pode ser chamado de orgasmo de cotonete. O salão de cabeleireiro é evidenciado como um lugar de certos toques permitidos, cuidados e relaxamento. Dessa posição se vai até o nível em que o local é transformado em uma espécie de clube erótico para idosas com direito a um recinto de prostituição — obviamente isso não é classificado assim nos diálogos, pois a graça está justamente na normalização rotineira dessa coisa absurda. Dennis Dugan, um dos diretores da produtora de Sandler, filma razoavelmente bem esses e outros disparates farsescos, mas não pode fazer milagre com um roteiro que almeja o repouso familista e atlantista.
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