quinta-feira, 6 de julho de 2023

Cordão umbilical

Braindead 

 (farsa,
NZL, 1992),
de Peter Jackson.

 

por Paulo Ayres

Antes de ser o adaptador da grife de J. R. R. Tolkien, o neozelandês Peter Jackson era um jovem cineasta que fazia maravilhas grotescas com baixo orçamento e alta criatividade. Braindead, com efeito, é o seu manifesto farsesco de afirmação autoral. Todavia, engana-se quem acha que o filme cultuado é um show gore gratuito. Feridas, gangrenas, furúnculos, escarros, vômitos e sangue — muito sangue — funcionam como um nível evolutivo para personagens que já estão em costumes putrefatos numa cidadezinha pacata dos anos 1950. Em especial, há o foco na figura da mãe controladora (Elizabeth Moody), um estorvo para o seu filho Lionel (Timothy Balme), inclusive quando ele conhece a espanhola Paquita (Diana Peñalver). Por isso, como fica claro na cena no telhado da casa, o útero materno não traz paz para Lionel, mas simboliza a sua prisão.

Para levar a satirização à enésima potência na forma, o gênero da farsa realmente é necessário. Isso permite, por exemplo, que haja uma passagem em que Lionel lida com um bebê zumbi no parque. A mise-en-scène de Jackson, nesse sentido, é perspicaz para estabelecer o visual dinâmico, fazendo de cada dilaceramento corporal um deleite irônico, em tom crescente de danificação e em paralelo ao desenrolar da trama. Nessa toada, Braindead gera uma casa banhada em sangue e, por conseguinte, testa o limite da tendência splatstick. No entanto, sacrifica a sua característica de metáfora da sociedade, tanto no movimento de explorar fronteiras ficcionais (no exagero da carnificina na festa) como no movimento de retornar, contraditoriamente, de maneira dócil à manjada conclusão feel-good. Enfim, um cordão umbilical se mantém e a má formação significa que é uma sátira edificante, apesar de funérea. O mesmo parto que ocorre em certos filmes de Tim Burton.

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[0] Primeiro tratamento: 02/07/2020.
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