sexta-feira, 4 de agosto de 2023

Tradição oral

No Gogó do Paulinho 
 
(farsa,
BRA, 2020),
de Roberto Santucci.
 


por Paulo Ayres

Faz sentido que o personagem mais destacado de A Praça É Nossa (1987–) nos últimos tempos seja o Paulinho Gogó, feito por Maurício Manfrini. Não apenas porque ele e o Matheus Ceará tenham um quadro diferenciado, sem combinação em ensaios e pelo teor pesado das piadas, mas também porque tal espontaneidade revela a própria essência da exposição verbal de causos. No caso de Gogó, isso até faz parte do bordão em que se autodenomina um simples contador de histórias. Logo, esse é o personagem mais adequado para ganhar um longa-metragem próprio e refletir o formato satírico de onde é oriundo.
 
Roberto Santucci, por sua vez, leva a sério a condução técnico-narrativa da farsa. No Gogó do Paulinho tem o fio condutor conduzido por pequenas histórias; algumas delas já contadas pelo personagem no programa televisivo do SBT. Desse modo, a operação é, primeiramente, dar uma estrutura em continuidade para o material colhido e, além disso, selecionar a melhor forma de encenar as piadas, que antes tinham existência somente na oralidade. A direção de arte e a fotografia encontram o grau certo de composição. E, nesse sentido, a primeira piada narrada em off, ou primeiro causo de Gogó, já surpreende pela variação dos andares da maternidade, uma criação de atmosferas distintas que traduzem na imagem um absurdo crescente. O filme, aliás, é um extenso flashback de uma trajetória de vida até dar forma ao personagem tal como é conhecido. O malandro pobre, por outro lado, não está salientado enquanto o mulherengo que é, pois No Gogó do Paulinho é uma sátira edificante de amor.
 
Todavia, a Nega Juju (Cacau Protásio) não é uma enfadonha mocinha tradicional. A farsa, ousadamente, faz questão de enfatizá-la como uma poliamorosa absoluta. São nesses detalhes que o filme, autoconsciente de seu gênero, cresce até o nível da sua matriz estrangeira de paródia, Forrest Gump (1994), um drama em que a mulher idealizada pelo protagonista também faz pouco caso de seu interesse amoroso. Ademais, é interessante notar as semelhanças que veículos ficcionais distantes podem compartilhar. No Gogó do Paulinho encontra com facilidade atalhos em ícones bastante manjados, sejam do próprio showbiz, do imaginário periférico ou mesmo da história brasileira. O casal da farsa até se vê duplicado numa sessão de cinema. Em cartaz, dos mesmos realizadores, a comédia Os Farofeiros (2018), uma sátira em que presenciamos, de forma igualmente abafada pela surdina romântica, outro bem-vindo flauteado.

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[0] Primeiro tratamento: 19/06/2021.
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