quinta-feira, 9 de novembro de 2023

Camuflagem ativa

Spy Hard

(farsa,
USA, 1996),
de Rick Friedberg.



por Paulo Ayres

Depois da era de ouro do trio ZAZ (Zucker, Abrahams e Zucker) — afirmando um estilo cinematográfico de farsa metalinguística que inclui Airplane! (1980) e a trilogia The Naked Gun (1988–1994) —, eis que aparece, no meio da década de noventa, a dupla FS (Friedberg e Seltzer) como herdeira bastarda deste tipo de filme. O primeiro trabalho de Jason Friedberg e Aaron Seltzer é o roteiro de Spy Hard (1996), dirigido pelo pai de Jason, Rick Friedberg.

Um filme como Spy Hard não tem paciência estética. Ninguém parece muito interessado em recriar o tipo de clima de James Bond, de ironizar os códigos narrativos, de entrar, de fato, nesse tipo de cinema para rir dele e com ele. Assim sendo, Leslie Nielsen como o agente Dick Steele (ou WD-40) é uma paródia que funciona mais como uma mera roupagem. E a comparação com Austin Powers (1997–2002), uma trilogia que surge logo em seguida, só depõe contra a mise en scène impaciente. Entretanto, Spy Hard cumpre bem a sua missão se ela for se manter no nível de qualidade do objeto parodiado. Mesmo que não consiga andar na trilha desse objeto, o filme preenche seu tempo com esquetes paródicos como Butch Cassidy and the Sundance Kid (1969), Home Alone (1990), Jurassic Park (1993), Pulp Fiction (1994), Speed (1994), True Lies (1994), entre outras camuflagens.
 
Um exemplo de como a sátira edificante apela e atropela na sua ânsia de criar o sentido humorístico de cada sequência é quando Dick Steele, num convento (só para fazer uma ceninha de Sister Act, 1992), aperta a cabeça de uma freira e os olhos (digitais) saltam para fora. Um recurso típico da animação que não combina com a proposta de farsa apresentada. Ali os roteiristas Friedberg e Seltzer mostram que pretendem atualizar a herança do ZAZ, especialmente intensificando as tramas com uma metralhadora de referências. E isso se confirma nos seus trabalhos futuros (agora, também como diretores de seus roteiros), nos filmes Date Movie (2006), Epic Movie (2007), Meet the Spartans (2008), Disaster Movie (2008), Vampires Suck (2010), The Starving Games (2013) e Superfast! (2015). Deste modo, a farsa do FS é um meio do caminho entre o ZAZ e o SAM (South America Memes), uma linguagem cinematográfica que antecipa o imediatismo do meme. E tem um dos seus prelúdios lá nos anos noventa, com Spy Hard, quando a internet ainda nem reinava.

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[0] Primeiro tratamento: 25/04/2017.
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