sexta-feira, 1 de dezembro de 2023

Apito final

 E o Bicho Não Deu 

(farsa,
BRA, 1958),
de J. B. Tanko.


 
por Paulo Ayres
 
Chanchada tardia, E o Bicho Não Deu sinaliza a reta final do primeiro movimento cinematográfico brasileiro de destaque. É uma produção da Herbert Richers que carrega a crise de identidade que essa onda artística experimentava no decorrer da década de 1950. A ascensão televisiva absorveu e afirmou uma maneira de encenação audiovisual que obrigou o cinema a repensar a sua linguagem para não ficar à reboque da tela pequena. Com isso, a safra de filmes da época estava numa encruzilhada estética sobre o que manter e o que atualizar.
 
J. B. Tanko mantém a ambientação “teatral” e distanciada, mas não adere à alternância típica da multicâmera. Ainda que seja um estúdio sem a quarta parede, o cineasta se interessa pela exploração do espaço, através de perseguições farsescas e a interatividade com os móveis. A escada pendurada na janela da Clínica de Doenças Nervosas, nesse sentido, é uma montagem que ilustra mais que a mescla com tomadas externas, revela a necessidade e o interesse de expandir a linguagem. Arejar a farsa física.
 
A identidade é também uma questão no enredo da sátira edificante. O detetive Bartolomeu (Ankito) bate a cabeça e passa a oscilar entre ser um homem da lei e ser um bicheiro amigo de Jujuba (Grande Otelo). A mudança se dá quando ele ouve um apito. Algo tão mecânico quanto isso, há o revezamento e a interação de núcleos, e tipos de personalidade, de tons incompatíveis de abordagem, como o folhetinesco delegado feito por Paulo Goulart. E essa é uma mistura que ocorre bastante no gênero da farsa e que continuou presente em trabalhos de Tanko após o fim da chanchada enquanto expressão datada. Portanto, E o Bicho Não Deu até tem uma malandragem agradável, mas uma sátira realista sobre o jogo do bicho é Águia na Cabeça (1984).
   
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