segunda-feira, 20 de maio de 2024

Turismo interno

Os Três Mosquiteiros Trapalhões 
 
(farsa,
BRA, 1980),
de Adriano Stuart.


por Paulo Ayres

O trocadilho entre “mosqueteiro” e “mosquiteiro” (referente a matador de mosquito) não fede, nem cheira. O que é significativo em Os Três Mosquiteiros Trapalhões é como esse filme deixa em relevo o estatuto de diferenciação nessa turma: mais que um quarteto, trata-se de Renato Aragão e um trio de coadjuvantes. E isso não é novidade, mesmo porque estamos falando de uma empresa chamada Renato Aragão Produções. A farsa de 1980 sublinha o papel de escada de Dedé, Mussum e Zacarias para o protagonismo do... Zé Galinha (um maltrapilho que mora num galinheiro, mas que é outra variação do Didi Mocó, assim como o vagabundo Bonga). Entretanto, a referência ao famoso romance (1844) de Alexandre Dumas pode ser superficial, mas há uma sintonia nessa “paródia sem ser paródia”: o fato de ser três os mosqueteiros originais, assim como são três os escudeiros de Aragão, um quarteto momentâneo e formal com um D'Artagnan — aliás, por que será que não foi esse o nome escolhido para o personagem?

Até há um treinamento de esgrima sem nenhuma conexão com o desenvolvimento da trama. Esse treinamento não tem serventia nem quando os Trapalhões enfrentam os bandidos de branco do Foca ou os bandidos floridos do Chico Alemão, duas hordas similares aos soldados rasos de tokusatsu.
 
Uma segunda camada do roteiro revela, junto da porção de individualismo artístico, um grau de complexo de inferioridade: a fórmula de construir mais um “andar” acima dos personagens, fazendo que o próprio Didi (ou qualquer que seja o seu nome na sátira da vez) seja uma escada, um degrau, de gente rica e/ou “gente bonita”. Por outro lado, às vezes essa subserviência é quebrada no fim com uma riqueza instantânea, como ocorre em Os Três Mosquiteiros Trapalhões, em que Zé Galinha acha diamantes e faz dos empregados capachos os novos sócios dos patrões. De uma forma ou de outra, então, acontece a centralização de capitais anunciada no começo.

Se há uma chave para entender a essência dessa obra dos Trapalhões, ela já aparece antes do filme propriamente dito. Aragão, montado num jumento, realiza uma propaganda para o Ministério da Indústria e do Comércio — ainda na época da ditadura empresarial-militar. A sátira edificante dirigida por Adriano Stuart é ela mesma uma peça da Embratur visando promover o turismo interno. As perseguições, piadas etc. preenchem um registro de viagem, no caso, por Foz do Iguaçu, Manaus e Rio de Janeiro. Nesse sentido, há certa contemplação paisagística, que já ocorre nos filmes dos Trapalhões e aqui atinge níveis mais agudos. Destaque para os cinco minutos em que o quarteto está num bote atravessando o rio até chegar às quedas das Cataratas do Iguaçu — sem a marcha aventuresca que é tema ou outra música incidental, quase sem diálogos, apenas o barulho da correnteza, do ecossistema, das remadas. É um momento sincero de nau à deriva que ilustra o resultado contemplativo de Os Três Mosquiteiros Trapalhões.

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[0] Primeiro tratamento: 03/09/2021.
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