Charlie and the Chocolate Factory
por Paulo Ayres
Se é inevitável a comparação de um filme original com a refilmagem, isso não significa que é necessário eleger um como o melhor. Ainda mais que uma imensa fatia de ficções está apenas cumprindo aquilo que sua proposta edificante almeja. Desse modo, a questão passa mais pela avaliação da criatividade do que de uma superação de fato, pois avançar para a arte realista é que seria uma evolução digna de nota. Por esse motivo, o ponto a ser observado em muitos remakes está na sua capacidade de “re-imaginação” da obra, sua habilidade de manter o espírito original e oferecer algo novo. Geralmente se percebe que os monopólios culturais estão constantemente reciclando para ter matéria-prima, mesmo numa notável apropriação autoral como Tim Burton e seu Charlie and the Chocolate Factory.
Contando com um conteúdo infantil, Burton fez seu segundo longa de farsa live-action vinte anos depois de Pee-wee's Big Adventure (1985) — sua estreia em longa-metragem. Quando o cineasta recorre ao gênero farsesco, de forma dominante, é em projetos de animação, sendo esses dois longas live-action, portanto, exceções. Até aí não há nenhuma distinção do filme de 2005 para a roupagem das outras três sátiras audiovisuais baseadas no livro (1964) de Roald Dahl: Willy Wonka and the Chocolate Factory (1971), Tom and Jerry: Willy Wonka and the Chocolate Factory (2017) e Wonka (2023) também são farsas.
É numa camada horrorífica que Charlie and the Chocolate Factory realça seu gosto diferenciado em evidenciar que essa obra moralista tem algo dos contos de fadas originais de séculos atrás, com um desdobramento sinistro de lições de comportamento. Para trazer esse elemento ousado, no entanto, equilibraram o roteiro numa fronteira de produto familiar. O filme de Burton é atravessado por cenas aterrorizantes de crianças humilhadas e, também, por flahsbacks e um desfecho redentor de terapia psicológica. Afirma e nega, visualmente, uma teoria da conspiração de espectadores do filme de 1971: a hipótese de que Wonka é um sádico querendo matar crianças malcomportadas. As quatro crianças reprovadas, e seus responsáveis, não chegam a morrer, mas caminham frustradas e com corpos alterados por acidentes na fábrica. Aqui foi preciso mostrá-los vivos porque o nível de estranheza e insensibilidade do Wonka de Johnny Depp está alto. Antes da resolução familista com Charlie Bucket (Freddie Highmore), esse aspecto curioso do capitalista recluso e excêntrico garante ao filme uma identidade marcante. O mundo exterior da fábrica, diferente do filme antigo, tem uma existência menos interessante, pesando na artificialidade de estúdio, no destacamento predestinado da casinha calorosa no meio da neve. O interior fabril é o local privilegiado do espetáculo de Burton. Inclusive na parte que se passa na fábrica do pai de Veruca Salt, com as operárias procurando o bilhete dourado.
Na fábrica britânica de Wonka, o trabalho vivo trabalha a troco de cacau. Os Oompa-Loompas de Burton são o resultado de uma multiplicação em efeitos especiais de um mesmo ator, Deep Roy, e as intervenções musicais de Danny Elfman se diversificam em gêneros distintos. É um tipo de farsa em que a filmagem é apenas o primeiro passo de uma montagem audiovisual com vários incrementos, destacando o caráter de linha de montagem da autoria. E se prestasse mais atenção nos trabalhadores explorados que realizam a atividade fundante na fábrica fictícia, Burton poderia ter dado o passo necessário para além da atualização mercadológica de um produto cinematográfico padronizado.
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