Os Vagabundos Trapalhões está inserido em um momento de preocupação com temáticas sociais do grupo, durante a década de oitenta e que tem articulação com o que poderíamos chamar de temática nacionalista, na medida em que temos a questão da identidade nacional mesmo que atrelada a uma linguagem cinematográfica hegemônica, e a uma proposta estética importada.
Renato Aragão retoma seu personagem Bonga, de Bonga, o Vagabundo (1969), agora acompanhado dos três trapalhões, para narrar a história de um grupo de vagabundos (esse termo está associado à pobreza principalmente) que acolhe crianças abandonadas e que as direciona para famílias ricas. Isso é feito de maneira simples e ingênua: simulam pequenos acidentes de carro com as crianças para que o motorista a conheça e se sensibilize com ela, resultando em uma possível adoção. Mas isso é apenas uma solução provisória, visto o número crescente de crianças que eles têm para cuidar.
Forma-se então um núcleo bastante interessante, no modelo de família circense com o qual os quatro comediantes têm tanta proximidade. Morando em uma caverna, eles têm um espaço anárquico, porém de caráter assistencial e até mesmo educacional junto às crianças. Soma-se aos quatro a personagem da vagabunda interpretada por Louise Cardoso, par romântico de Bonga (um amor ingênuo), que tem como promessa só se casar com ele quando conseguirem arranjar um lar para todas as crianças. Os cinco formam, assim, uma miserável trupe pronta a fazer pequenos bicos e pequenas armações para arranjar comida e família para o grupo todo. É curioso como são permitidos e aceitos (pela narrativa e pelo público) pequenos roubos e enganações em nome de um projeto de vida que vira praticamente um projeto de integração social, um substituto emergencial de falhas institucionais. A figura do “palhaço malandro” é utilizada, portanto, como uma maneira cômica de driblar as dificuldades do dia a dia e, de alguma forma, estabelecer um vínculo com a sociedade a qual pertence de forma marginal: são desempregados, miseráveis, sem teto, esfomeados e ainda, artistas...
O desenrolar da narrativa segue um modelo recorrente nos filmes dos Trapalhões: depois de apresentados os personagens do quarteto, entram em cena os personagens que farão o par romântico. Nos é apresentado um problema a ser resolvido com o auxílio dos humoristas e, junto com ele, antagonistas (comumente movidos pela ganância) que irão dificultar a resolução da questão.
Conhecemos então o menino Pedrinho que foge de casa por causa da pouca atenção recebida do pai empresário (Edson Celulari); ele se junta à trupe dos Trapalhões onde é recebido com todo o carinho possível. Seu pai, muito arrependido de sua conduta, oferece uma recompensa milionária para quem souber o paradeiro de seu filho. Começa então uma fuga de Pedrinho e dos quatro Trapalhões para driblar pessoas inescrupulosas interessadas no menino, e então acontece a grande virada da história. O reencontro de Pedrinho com seu pai e deste com Bonga. Temos a revelação de que Bonga é avô de Pedrinho, pai do personagem de Edson Celulari e, portanto, dono de uma fortuna inestimável. Afastado da sua família verdadeira para poder se dedicar a questão das crianças, Bonga só conhece seu neto por este fugir de casa e este encontro é que propicia uma solução para o problema complexo do abandono de crianças: com a fortuna que tem nas mãos Bonga funda um grande espaço de acolhimento que chega a se confundir com um parque de diversões.
O final feliz está dado e Bonga pode voltar a sua vida simples de vagabundo junto com Louise Cardoso. Um roteiro com muitas falhas e que se estrutura muito fortemente na figura de “salvador da pátria” que Renato Aragão costuma levar para seus personagens. O dinheiro aparece como uma solução milagrosa e praticamente definitiva para a questão do abandono de crianças. Este final feliz vem acompanhado também da realização amorosa de pai de Pedrinho com sua professora e também do vagabundo Bonga com sua parceira. Como na maioria dos filmes, os outros três trapalhões somem da trama assim que a instituição de crianças é criada.
Apesar de ser um filme ingênuo e que de forma alguma dá conta de uma discussão ampla de problemas de sociais (e, ainda, com alguns problemas narrativos), Os Vagabundos Trapalhões tem o grande mérito de tocar em um tema pouco presente e, até mesmo, arriscado para filmes comerciais, principalmente quando é lançado como atrativo das férias escolares. A grande bilheteria deste filme confirma o grande potencial de comunicação com o público (através do humor e do auxilio do poder televisivo), até mesmo no tratamento de questões nacionais mais delicadas. É uma participação efetiva do quarteto num projeto de cinema que vai além da mera diversão e da atualização do cinema hegemônico.
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