(farsa,
USA/CAN, 2019),
de Conrad Vernon
e Greg Tiernan.
por Paulo Ayres
Antes da Wednesday virar moda por causa da série televisiva que leva seu nome (2022–), a nova adaptação cinematográfica da Família Addams já deixava mais explícito aquilo que faz toda a graça e também a limitação presente nessa abordagem dark. Em resumo, não se reduz ao ultrarromantismo no sentido niilista, mas, por outro lado, não ultrapassa o romantismo crítico.
Por serem duas farsas, ainda mais farsas animadas, os paradoxos ganham contornos mais acentuados. Se as duas comédias live-action de Barry Sonnenfeld (1991–1993) apresentam algumas inclinações farsescas episódicas, as animações de Conrad Vernon e Greg Tiernan encarnam uma estilização extrema e sem freios na mobilidade agitada. No próprio gráfico das personagens não há o padrão “disneyzado”; há traços grosseiros, silhuetas espremidas, caricaturas aberrantes... E, para além dos olhos esbugalhados do Gomez (voz de Oscar Isaac) e do andar deslizante da Morticia (voz de Charlize Theron), é o primeiro The Addams Family (da nova versão) que já se interessa abertamente pelo contraste de formas, almejando contar uma história bem visual que lembra, em linhas gerais, Edward Scissorhands (1990), na antítese entre o subúrbio plástico e o underground gótico.
Contudo, o plot da Wednesday (voz de Chloë Grace Moretz) no ambiente escolar e se tornando uma “rebelde invertida”, inclusive usando roupa rosa, morre no caminho. E isso nem é um trocadilho visando fazer um elogio da obra. A questão é a seguinte: até que ponto se desenvolve esse jogo irônico de inversão entre as noções de “bom/ruim”, “bonito/feio”, “alegre/triste” etc. no universo dessa família ficcional? Pugsley (voz de Finn Wolfhard), por exemplo, está com medo de ser um fracasso perante a tradição familiar, numa reunião de parentes. Mas isso é um problema no enredo? Na lógica daquela família, o fracasso não seria bom? Os Addams, em suas contradições, representam um familismo inusitado e prafrentex, mas ainda assim, uma ideologia familista.
Além disso, como há uma conciliação entre as visões de mundo dos Addams e dos não Addams, naquele subúrbio de New Jersey, essa farsa evidencia que uma obra pode apresentar uma fachada sinistra mantendo o conteúdo romantizado. Aparentemente, é um tertium datur entre duas formas de irrealismo estético, mas logo fica claro que se trata de uma sátira edificante.
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[0] Primeiro tratamento: 21/01/2022.
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