sábado, 20 de janeiro de 2024

Folia antidialética

 É de Chuá!

(farsa,
BRA, 1958),
de Victor Lima.
 

por Paulo Ayres

Uma estética metafísica sempre apresenta algum nível de binariedade. É de Chuá! é um filme que explicita isso em, pelo menos, três níveis. Primeiramente, nota-se a divisão entre a malandragem do bem e a malandragem do mal. Outra dualidade é entre os personagens típicos de farsa física e os personagens genéricos de sátira mais moderada. E, por fim, o vaivém de números musicais como intervalos de contemplação que, geralmente, não adicionam nada no desenvolvimento do enredo. Falando assim, apontando esses defeitos, pode parecer intragável, mas aí que está a magia da chanchada: é mais uma boa sátira edificante, como de costume nessa tradição brasileira.

Victor Lima é um dos diretores que entendiam o bê-á-bá da coisa. O cineasta não inova, não eleva, mas entende de criar a badalação que se espera nessas tramas que transitam entre a periferia e a high society. É de Chuá!, com sua temática carnavalesca, entende bem como esse período festivo do calendário brasileiro e, particularmente carioca, é levado a sério por muita gente pobre que se engaja para materializar uma apresentação cultural. Grande Otelo e Ankito, dessa vez, encarnam a busca de patrocínio para festas populares. Um deles até será penhorado como sacrifício financeiro para a escola de samba.
 
E os números musicais? Bem, há um monte. E, como foi dito, são momentos de suspensão narrativa, mas, além disso, revelam também outro ponto binário. A aparência e a performance dos personagens se dividem entre aqueles que parecem oriundos da Escolinha do Professor Raimundo (1990–), como é esperado de uma farsa física, e aqueles que parecem importados de uma abordagem satírica menos estilizada. Nesse sentido, de todas as apresentações musicais, somente a do palhaço Carequinha é, de fato, em tom farsesco. Já a Maria Xangai (Renata Fronzi) parece, às vezes, uma mescla e ponte entre a tonalidade principal — o médico, o mordomo, o português, o joalheiro, o fotógrafo, a empregada doméstica... — e a tonalidade secundária — o policial, o vigarista, Nelson Gonçalves... Desfile divertido, mas sem harmonia na evolução.

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