domingo, 17 de março de 2024

Cores quentes

Cassy Jones, o Magnífico Sedutor

(farsa,
BRA, 1972),
de Luiz Sérgio Person.



por Paulo Ayres

Um dos clichês do vocabulário cinéfilo é falar em paleta de cores. Isso é compreensível visto que a escolha e a distribuição de cores pela tela é uma das sensações mais diretas oferecidas pela composição audiovisual. A fotografia, nesse sentido, tem o papel de uma mediação “imediata” que está na primeira camada de fruição e reflexão de determinada obra. Em Cassy Jones, o Magnífico Sedutor, o playboy carioca que dá nome ao filme comenta que a sedução tem vários caminhos que levam ao mesmo lugar e, assim, a interação gradual tem que ser valorizada como um tipo de jogo, não apenas como um simples meio. Essa observação também serve para a proposta estética apresentada no filme. É uma história bem bestinha, mas seduz por construir um mundo extravagante e dinâmico, que lembra Pedro Almodóvar no gosto pela colorização chamativa.

Cassy Jones, o Magnífico Sedutor praticamente consolidou a Pornochanchada, divisão brasileira do amplo movimento internacional denominado de Exploitation Cinema. Em resumo, esse movimento trouxe a produção em larga escala de sátiras cinematográficas com um estilo apelativo para compensar o baixo orçamento e as limitações. Se por um lado, é a entrada de um sensacionalismo bem descarado como tática mercadológica, por outro lado, isso elevou as satirizações no cinema a um novo patamar, injetando audácia no gênero satírico que, até então, tinha um predomínio da abordagem contida, puritana. Diferente da Chanchada, um movimento basicamente farsesco, preto e branco e com a cara de estúdio, a Pornochanchada entrou em ambientações abrangentes e foi um movimento que se expressou nos três subgêneros da sátira (folhetim, comédia e farsa). No caso de Cassy Jones, o Magnífico Sedutor, trata-se de uma farsa e isso salienta o estágio de transição de amplos movimentos do cinema popular nacional, aparecendo até o Grande Otelo numa participação bem rápida, indicando a passagem de bastão para a nova configuração do entretenimento massificado.
 
A nudez é o aspecto apelativo que há na farsa física de Luiz Sérgio Person, embora não apareça com frequência. Em algumas passagens, o filme usa corpos nus como se fossem adornos carnavalescos. No entanto, Person já havia se afirmado como um grande cineasta — dirigiu São Paulo, Sociedade Anônima (1965) — e tem repertório criativo para não fazer do erotismo uma muleta narrativa. Ele divide o enredo em blocos e o mais destacado é quando Cassy Jones (Paulo José) e seu escudeiro Rouboult (Hugo Bidet) elaboram sucessivos planos mirabolantes para tirar a bailarina órfã, feita por Sandra Bréa, do controle da tutora megera feita por Glauce Rocha. É um conjunto de tentativa-erro em que os dois amigos parecem personagens do Looney Tunes na busca diversificada por um objetivo, até se fantasiando para fazer a aproximação.

Cassy Jones, o Magnífico Sedutor é, também, um filho bastardo e tardio de um movimento que durou menos anos, o Tropicalismo. Há um Rio de Janeiro misturado numa consistência de geleia geral, com um momento delirante em que Cassy surge como náufrago isolado e árbitro de futebol. Todavia, no caldo cultural há também a dose de moralismo, bastante tensionada até o final, mas, ainda assim, decola como o ponto de resolução da trama, após a dor de cotovelo do protagonista. Nos créditos iniciais dessa sátira edificante, há uma dedicatória a alguns nomes falecidos com a frase “Este filme é dedicado a pessoas que souberam rir e viver”. De fato, há uma vivacidade no filme de Person — embora a vida pareça decorativa como os peixinhos vistos no colchão de água.
 
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