terça-feira, 30 de abril de 2024

Mentira sincera

Just Go with It

(comédia,
USA, 2011),
de Dennis Dugan.


por Paulo Ayres

Nos filmes do Sandlerverse — o universo próprio da produtora Happy Madison —, é possível perceber a estrutura binária em que duas tendências de abordagem se opõem até decretar a supremacia de uma delas. Em Jack and Jill (2011), essa característica se desdobra até no enredo, duplicando Adam Sandler como o representante de cada uma dessas vertentes conflituosas. Na outra comédia de 2011, por outro lado, essa dualidade está sobreposta nos mesmos personagens, que fingem ser o que não são: em Just Go with It, há uma teia de mentiras em busca de prestígio e de conquistas.

Há um prólogo do “trauma” de Danny (Sandler), estabelecendo o padrão de um “golpe” afetivo-sexual que conduzirá sua vida. O “personagem” do personagem, usado para impressionar mulheres, é justamente a figura do prestativo marido/pai de família. A operação moral até o fim da trama, então, é fazer esse “bom moço”, encenado ardilosamente pelo cirurgião plástico, tornar-se predominante, isto é, a base do seu eu. Nesse sentido, essa comédia de costumes caminha, gradualmente, para os desabafos e a restauração familista. Todavia, no percurso, Just Go with It apresenta algumas situações interessantes e várias piadas afiadas. Inclusive as crianças do filme possuem a construção mais eficiente com a premissa, pois elas não são perpassadas pela rigidez metafísica dos adultos dualistas: embora imaturas, elas são interesseiras, carinhosas e malandras de maneira fluida e unitária.

Além disso, é possível fazer um paralelo com 50 First Dates (2004), outra sátira edificante do Sandlerverse que se passa no Havaí. Lá também há a forçada redenção pelo amor romântico de um solteiro poliamoroso e, devido à inusitada doença da protagonista, um clima melancólico não se desfaz e acompanha o casal. Just Go with It, por sua vez, realiza uma crítica bem-vinda à vida “caça likes” contemporânea, mas, como o filme anterior, coloca o fetiche da família nuclear como uma superação das falsidades e manipulações. Se fosse mais atenta, a narrativa expressaria que, ironicamente, o “personagem” do personagem apenas assumiu a vaga de titular. Uma mentira sincera que fez o nariz diminuir.

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[0] Primeiro tratamento: 15/09/2020.
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