sábado, 24 de fevereiro de 2024

Parceria limitada

Music and Lyrics 
 
(comédia,
USA, 2007),
de Marc Lawrence.
 


por Paulo Ayres

O compositor Adam Schlesinger, que morreu de covid-19 em 2020, é o autor de “Way Back into Love”, uma canção que está no filme Music and Lyrics como uma criação gradual e conjunta de Alex Fletcher (Hugh Grant) e Sophie Fisher (Drew Barrymore). Mas, diferente de That Thing You Do! (1996) — outra sátira em que Schlesinger compôs a canção principal da trama e que a dupla de compositores fictícios aparece com ela já pronta —, a ficção de costumes de Marc Lawrence tem o seu foco no processo de composição musical. O que começa com uma interessante satirização da música pop (dos anos 1980 e dos anos 2000), enquanto negócio e expressão artística, e do processo de ruptura e decadência de seus membros envelhecidos, logo toma forma de um processo empreendedor e familista de superação.
 
Curioso como o enredo mostra que a criatividade e o exagero são importantes até no mais pegajoso ramo comercial de arte, mas não oferece muito disso na proposta de uma comédia edificante de amor (comédia romântica em sentido estrito). Há a busca de transmitir esforço e passagem de tempo em planos ligeiros com plantas regadas, o músico dedilhando o piano, a letrista clicando uma caneta e com o olhar distante... da mesma forma, a falta de ideias é explícita nesse roteiro sobre a elaboração de ideias. Nesse sentido, Music and Lyrics salienta o seu lado piegas. Uma grande sacada irônica, por exemplo, a diva pop Cora Corman (Haley Bennett) numa fase mística, utilizando até uma escultura enorme de Buda num show sensual, é “sacrificada” no palco no momento que vem o encontro de reconciliação da dupla principal, “depurando” a sua criação artística da abordagem extravagante e erotizada. É como se o amor romântico, baseado no sentimento de posse, fosse algo mais nobre para estar perto daquela imagem. A melhor representação, portanto, está no divertido videoclipe oitentista “Pop! Goes My Heart”, ainda que indiretamente, pois o objeto satírico é a canção romântica e não a mediação afetiva. A reprise no final ilustra a dissonância: dois tons artísticos que se repelem.

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