sábado, 27 de abril de 2024

Hipótese do zoológico

Scary Movie IV

(farsa,
USA, 2006),
de David Zucker.
 

 
por Paulo Ayres.

Scary Movie IV começa parodiando Saw (2004), sátira niilista de James Wan. Desta vez, num banheiro sujo e misterioso estão Shaquille O'Neal e Phil McGraw. Esse início serve para situar uma característica essencial deste tipo de farsa metalinguística e deste filme em especial. Assim como o jogo degradante proposto por Jigsaw aparece como uma força maior e oculta que instrumentaliza as pessoas prisioneiras neste mundo, a proposta satírica aqui é conduzir as personagens por um caminho solto de sentido e referência, mas de modo que mantenha um mínimo de coerência narrativa em desenvolver o enredo. Há, então, um processo como se fosse observar camundongos num laboratório metalinguístico, com interações feitas por um controle externo que visa levá-los para certos caminhos.

Não é algo gratuito e totalmente absurdo, por exemplo, inserir flashbacks de paródias de Brokeback Mountain (2005) e Million Dollar Baby (2004). Na referência ao filme de Clint Eastwood, o ponto ironizado é justamente o grande defeito daquele drama edificante: ao colocar o Mike Tyson como a boxeadora vilã, deixa evidente o ranço maniqueísta que limita a abordagem dramática da obra original.

No entanto, o diretor David Zucker não vai além do que já havia feito na farsa anterior da franquia. Assim como Scary Movie III (2003), Scary Movie IV aparenta ir por caminho ousado no tratamento que dá para a noção de família nuclear, mas vai se suavizando e reconstruindo o que parecia destruir. Nessa trama, é a menina caçula que funciona como um para-raios, até em sentido literal, da vontade de debochar do aspecto disfuncional da família na sociedade de classes. A crítica desintegra para reintegrar o mesmo. Pancadas, inclusive derrubando Cindy Campbell (Anna Faris), são normais nesse mundo farsesco, e não derrubam a nova atração familista que colocará a protagonista junto do pai separado Tom Ryan (Craig Bierko).

Se a linha predominante de paródia está clara que é War of the Worlds (2005), ficção espacial de Steven Spielberg, disputando a segunda posição estão The Village (2004), ficção de mistério de M. Night Shyamalan e The Grudge (2004), ficção sobrenatural de Takashi Shimizu. É essa mistura bem estranha que é unida como uma experiência com cobaias ficcionais, costurando alguma coerência para não soar como esquetes sem conexão. Zucker, nesse sentido, é moderadamente eficaz, dirigindo sua última boa sátira edificante no gênero da farsa. Levando Leslie Nielsen consigo, ele faria depois o nefasto An American Carol (2008). Uma propaganda do pensamento da direita estadunidense utilizando esse estilo cinematográfico, que é válida só no sentido de expor o que se passa na cabeça de reaças. Algo diferente do que foi feito em Scary Movie IV, onde a fauna satírica aparece como objeto de uma manipulação exterior e não como a mente criadora entrando no palco humorístico e expondo as suas limitações ideológicas e cognitivas.

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[0] Primeiro tratamento: 30/01/2024.
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