Sertão em tom menor
O talento de Marcelo Gomes já se insinuava há tempos no cenário do árido movie pernambucano. Além de dirigir o curta Clandestina Felicidade [1998],
inspirado em Clarice Lispector, ele havia colaborado em curtas de
Claudio Assis, Lírio Ferreira, Adelina Pontual e Karim Aïnouz. O roteiro
de Cinema, Aspirinas e Urubus já comia poeira há cerca de oito
anos, até que finalmente chegou às telas com jeito de coisa nova — uma obra, aparentemente, sui generis no cinema brasileiro contemporâneo.
Mas talvez não seja tão nova assim — o que não reduz, mas até aumenta os seus méritos. A fotografia de Mauro Pinheiro Jr. (o próximo Walter Carvalho?), brincando ostensivamente com a luz dura do sertão, evoca a estética do Cinema Novo rural. Há mesmo momentos que sugerem homenagens explícitas a Vidas Secas [1963] e Os Fuzis [1964], entre outros. A ambientação nos anos 40 acarreta inusitadas semelhanças com Casa de Areia [2005], de Andrucha Waddington, por mais distantes que os filmes estejam em tudo o mais.
De certa forma, a premissa da exibição cinematográfica ambulante, com as emoções previsíveis do “cinema pela primeira vez”, constitui um lugar-comum do road movie autorreferencial. É claro que o filme não busca aí a sua força, mas na evolução da amizade entre o alemão desgarrado Johann e o nordestino Ranulpho, louco para se desgarrar. A virtual troca de papéis entre esses dois homens — Johann penetra cada vez mais no Brasil enquanto Ranulpho deseja evadir-se — faz o encanto e alimenta as expectativas do público. No entanto, mesmo aí, o roteiro sofre perdas de consistência a meio-caminho, tateia um bocado até retomar algum vigor entre a primeira e a segunda metades.
O que permanece sempre rijo e envolvente é a direção em “tom menor” de Marcelo Gomes. Não é sempre que topamos com um filme cujos diálogos não parecem ter sido cuidadosamente escritos de antemão, mas que, ao contrário, fluem da própria vivência da ação, como num documentário. A química entre João Miguel e Peter Ketnath, ambos extraordinários, garante uma “verdade” que chega inteira ao espectador. No que dizem – e sobretudo no que não dizem — esses dois homens em busca da felicidade, seja em forma de comprimido ou de gestos humanos, reside o inusitado de Cinema, Aspirinas e Urubus. A convicção no uso discreto da cenografia e da linguagem cinematográfica completa as virtudes de um filme que devemos reter, não como uma revolução, mas como um marco de maturidade do cinema brasileiro.
Mas talvez não seja tão nova assim — o que não reduz, mas até aumenta os seus méritos. A fotografia de Mauro Pinheiro Jr. (o próximo Walter Carvalho?), brincando ostensivamente com a luz dura do sertão, evoca a estética do Cinema Novo rural. Há mesmo momentos que sugerem homenagens explícitas a Vidas Secas [1963] e Os Fuzis [1964], entre outros. A ambientação nos anos 40 acarreta inusitadas semelhanças com Casa de Areia [2005], de Andrucha Waddington, por mais distantes que os filmes estejam em tudo o mais.
De certa forma, a premissa da exibição cinematográfica ambulante, com as emoções previsíveis do “cinema pela primeira vez”, constitui um lugar-comum do road movie autorreferencial. É claro que o filme não busca aí a sua força, mas na evolução da amizade entre o alemão desgarrado Johann e o nordestino Ranulpho, louco para se desgarrar. A virtual troca de papéis entre esses dois homens — Johann penetra cada vez mais no Brasil enquanto Ranulpho deseja evadir-se — faz o encanto e alimenta as expectativas do público. No entanto, mesmo aí, o roteiro sofre perdas de consistência a meio-caminho, tateia um bocado até retomar algum vigor entre a primeira e a segunda metades.
O que permanece sempre rijo e envolvente é a direção em “tom menor” de Marcelo Gomes. Não é sempre que topamos com um filme cujos diálogos não parecem ter sido cuidadosamente escritos de antemão, mas que, ao contrário, fluem da própria vivência da ação, como num documentário. A química entre João Miguel e Peter Ketnath, ambos extraordinários, garante uma “verdade” que chega inteira ao espectador. No que dizem – e sobretudo no que não dizem — esses dois homens em busca da felicidade, seja em forma de comprimido ou de gestos humanos, reside o inusitado de Cinema, Aspirinas e Urubus. A convicção no uso discreto da cenografia e da linguagem cinematográfica completa as virtudes de um filme que devemos reter, não como uma revolução, mas como um marco de maturidade do cinema brasileiro.
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