Ace Ventura: Pet Detective (1994) é o primeiro encontro do diretor Tom Shadyac e o jovem Jim Carrey, que contribuiu até no tratamento desse roteiro e se afirmava como estrela de Hollywood. O ator ganha um palco para sua performance humorística num contexto comediesco montado para uma figura destoante: o detetive particular Ace Ventura era um estranho no ninho ali, um personagem farsesco que contrasta com a diegese medianamente satírica. Um protagonista nonsense que se comunica com animais e consegue parar com os dentes uma bala disparada de revólver — esses pontos inverossímeis surgindo apenas como adornos performáticos num enredo aparentemente criminal. Quando se trata de uma ficção de fantasia explícita, a existência de elementos e personagens farsescos numa comédia, em sentido estrito, gera menos atritos — vide, por exemplo, The Mask (1994) e o personagem de Carrey que dá nome à comédia mágica.
Diferente da encenação de Shadyac, a abordagem de Steve Oedekerk, na continuação do ano seguinte, leva o excêntrico detetive para um ambiente em sintonia estética: a farsa. Ace Ventura, desse modo, não é um cartum discrepante, mas apenas mais uma expressão de artificialidade absoluta e protagoniza pequenos segmentos de aparência de esquete. Ainda que o enredo trate de choque cultural, Ventura interage num habitat compatível com sua caracterização exagerada. Está em casa aqui. Ele sai de um mosteiro do Himalaia e entra numa missão no continente africano para encontrar um sagrado morcego branco, que serve de diplomacia na ontologia religiosa dos povos Wachati e Wachootoo. Em vista disso, um componente irônico é que o personagem indique que
está numa busca individual e mística de moderação comportamental e, principalmente, sexual.
Por outro lado, não se trata de um Lloyd (Dumb and Dumber, comédia de 1994): Ventura é tão idiota quanto cerebral, sujeito excentricamente pensante em busca de vestígios que levem a elucidação do caso da vez. Nesse sentido, há a coexistência da esperteza enciclopédica e do conhecimento técnico, de um lado, e a besteira escatológica, sintetizadas na sequência do rinoceronte mecânico. Mesmo que Ace Ventura esteja no lugar adequado para seu ser, continua sendo um corpo expelido que servirá aqui, de um jeito ou de outro, para conquistar a união das tribos. Ou seja, desta vez, por também ser um "demônio branco", a convergência harmônica na sátira edificante se completa com sua expulsão do espaço.
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[0] Primeiro tratamento: 15/02/2021.
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