terça-feira, 6 de maio de 2025

Casamento civil

Os Parças
 
(farsa,
BRA, 2017)
de Halder Gomes.
 


por Paulo Ayres

Por mais que muitos torçam o nariz, a experiência cinematográfica recente mais próxima do que representou os Trapalhões está no primeiro Os Parças. E quando se diz isso está se considerando os próprios filmes do Renato Aragão após o fim do quarteto — neste período, a fórmula infantil de Aragão tende a produzir apenas sátiras edificantes de linhagem rebaixada. E é essa a linhagem de Os Parças II (2019), de Cris D'Amato, ainda que o enredo tenha um apelo teen. A continuação é sobre uma colônia de férias e, deste modo, o quarteto de malandros assume a função de monitoria de jovens, deslocando-se para uma posição de “babás”. Na superfície escandalosa, parece que estão coordenando o salvamento num iminente naufrágio ou num ataque de onça, mas apenas estão direcionando seu repertório de caras e bocas para moralizar e servir de suporte juvenil. Há um banho de lama no sentido de emporcalhar a trama, mas, assim como há a faxina e a reforma do lugar velho, há um movimento predominante de revelar um mundo asséptico e publicitário.

Antes da sátira atolada, entretanto, o primeiro Os Parças, dirigido por Halder Gomes, flui narrativamente com pompas e circunstâncias. O filme abre com uma espécie de prólogo de apresentação — para o público e entre eles —, quando uma confusão urbana com multidão congela no salto os quatro picaretas do bem. Essa fotografia, estática e paulistana, persiste como o grito de guerra “os parças!”, forçando o quarteto fantástico de modo tão insistente, como a inconveniência que é típica dessa malandragem.
 
Se um quarteto como os clássicos ghostbusters (1984–1989) possui uma ponta diferenciada no enredo de (pseudo)cientistas, aqui também há uma: Romeu (Bruno de Luca). Não é somente um nerd moderado, ele vibra em outra frequência humorística, mais branda. Se fosse só ele, ou o foco predominasse sobre esse mauricinho “fofucho”, Os Parças seria apenas uma comédia amorosa sem graça. No entanto, a força farsesca vem com tudo nas figuras desestabilizadoras dos humoristas profissionais. Os pilantras não só parecem que se formaram na Escolinha do Professor Raimundo (1990–), como o roteiro faz questão da versatilidade farsesca com o trio incorporando dançarinas de boate, estilistas gays etc. Tom Cavalcante, antes de fazer um show como Fábio Jr., ainda tem tempo de alternar as vozes numa conversa íntima na cama. Intervalo de puro deboche do locutor de varejo. Quem está interessado no fio condutor do casamento fajuto, quando há esses pequenos disparates que satirizam protocolos e costumes?
 
Um contorno de identidade ficcional mais distinguível ocorre, graças, principalmente, ao Pilôra (Tirullipa), com sua performance e bordões, que gera até uma canção para o filme. Toinho (Cavalcante) e Ray Van (Whindersson Nunes) complementam o “casamento” satírico em sentido figurado. A aliança assume o compromisso de uma agência de casamentos. No dia da cerimônia, há até uma coordenação da equipe de trabalhadores que servirão aos grã-finos. Enquanto isso, de maneira estabanada ou não, Romeu trai o casamento literal e o metafórico. O que é um capanga jogado de um edifício e saindo vivo, perto de uma paixonite arrebatadora pela noiva Cintia Barolo (Paloma Bernardi)? Se esse desvio da trama é pura chatice, o mesmo não se pode dizer da sequência da despedida de solteira. A farsa física chega a ser interrompida e só podemos imaginar o que ocorreu ou não, pois os quatro condutores caem fora da festa.
 
Até mesmo o maior contrabandista da Rua 25 de Março, Vacário Barolo (Taumaturgo Ferreira), perde, gradualmente, a aura de “poderoso chefão” assumindo, mesmo que provisoriamente, o papel de sogro bacana. O boliviano Toninho La Paz (Carlos Alberto de Nóbrega) emerge como o vilão-vilão. Picaretagens à parte, a sátira edificante contempla um instante de pacto civilizatório.
 
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[0] Primeiro tratamento: 16/04/2021.
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