sexta-feira, 22 de agosto de 2025

Crueldade animal

 The Bad Guys II

(farsa,
USA, 2025)
de [ ].
 


por Paulo Ayres

Passando pelo programa de formação de cidadãos modelo do primeiro filme (2022), a turma de Mr. Wolf (voz de Sam Roclwell) dispara, em The Bad Guys II, no objetivo de se conciliar com a sociedade. É claro, de maneira relativa. A obra faz parte das sátiras edificantes que se esforçam numa adequação sem soar careta, ou não tão moralista. Baseando-se nos livros (2015–) de Aaron Blabey, a DreamWorks desenvolveu outra franquia de desenho animado que já conta também com dois episódios curtos: The Bad Guys: A Very Bad Holiday (2023) e The Bad Guys: Haunted Heist (2024). Tal como a franquia de Madagascar (2005–), The Bad Guys é um universo farsesco em que seres humanos convivem com animais antropomórficos no ambiente urbano. Ou seja, é uma proposta distinta da interação que se vê em comédias mágicas da linhagem de Finding Nemo (2003), Over the Hedge (2006) e Rio (2011). Nesses últimos, o gênero satírico de meio-termo apresenta uma vida secreta de animais, aparentemente comuns, mas com consciência social. The Bad Guys II é uma daquelas farsas com algumas criaturas humanoides como cidadãos e, nesse contexto, nem precisa oferecer uma resposta para isso.

No primeiro filme, entre ações de reeducação, está o plano de resgatar animais comuns da condição de cobaia. O tema da crueldade animal surge como um dos assuntos. Essa categoria diz respeito aos maus-tratos praticados por humanos com seres estritos do reino animal. Por sua vez, crueldade animal é uma subcategoria da crueldade. Uma categoria específica da esfera do ser social:

[...] Tome-se como exemplo a crueldade; ela é humano-social e não animal. Os animais não conhecem crueldade alguma; por exemplo, quando um tigre despedaça e dilacera um antílope, o que se manifesta nele é a mesma necessidade genérico-biológica que leva o próprio antílope a pastar pacífica e inocentemente e, ao fazê-lo, triturar plantas vivas.[1]

Essa digressão ontológica serve para observar como The Bad Guys II nos oferece uma antropomorfização que é típica da arte. Ainda que os cinco ex-criminosos principais — talvez seis, já que parece que Diane Foxington (voz de Zazie Beetz) entrou para o grupo — chamem a atenção como organismos bastante destoantes, a marginalidade em questão é narrada como fruto das atitudes ilícitas. Na trajetória de afirmação de heroicos anti-heróis, surgem alguns “bad guys reais” — como, inclusive, é dito numa fala. O trio de vilãs também passa por um gradativo afunilamento moral, para, no fim, só restar Kitty Kat (voz de Danielle Brooks) como autêntica vilã. Há a conexão metafórica entre animais antropomórficos e grupos humanos marginalizados, mas, ao mesmo tempo, um apagamento disso pela cooptação gradual.

Numa ironia com o MacGuffin, há o metal raro MacGuffinite no enredo. E, na parte final, os Bad Guys entram na órbita da Terra. Nesse sentido, as atividades e conflitos na gravidade do espaço sideral oferecem, também, a impressão de cobaias num experimento — seria a sequência anterior da lucha libre um eco da rinha de bicho? As falsas mortes do desfecho são um deboche com o clichê do sacrifício redentor. Contudo, os ex-bandidos são promovidos a agentes secretos. The Bad Guys II usa os apetrechos de ficção de espionagem e, portanto, há uma conclusão que confirma a linha de desenvolvimento da trama.

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[1] György Lukács. Para uma ontologia do ser social II. Tradução: Nélio Schneider, Ivo Tonet e Ronaldo Vielmi Fortes. São Paulo: Boitempo, 2013, p. 436.
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