Unicornios
por Paulo Ayres
É o início da tragédia audiovisual, Unicornios estabelece o fracasso de um relacionamento quando o descontentamento com o poliamor é posto como motivo de ruptura. A partir daí, a protagonista Isa (Greta Fernández) reina sozinha no enredo. Ou melhor, torna-se uma gravitação provisória e errante, em certo aspecto. Os dilemas da geração "alguma coisa" parecem ser o combustível do desenvolvimento do filme. Ela não é exatamente uma influenciadora. Pelo menos, não uma com a possibilidade de viver apenas disso. No entanto, o drama de [Àlex Lora] utiliza o tema contemporâneo até quando a imagem assume a verticalidade do telefone celular em vídeos curtos. É Isa observando e interagindo com seu ambiente. Nessa perspectiva, Unicornios desenvolve uma rebeldia que se perde em individualismo. Diferente do que a sinopse sugere, Isa experimenta e tropeça, mas isso não é devido a ela ser bissexual, feminista e poliamorosa.
A crítica estética do filme precisa observar esses três adjetivos com que Isa é caracterizada. Primeiramente, o que ocorre de fato. Pressionada para ser monogâmica pelo namorado, o poliamor é desfeito e ela volta a morar com a mãe, com quem não se dá bem. Obviamente que se pode falar em tendência poliamorosa nas atitudes das pessoas. Sutis ou escancaradas. Tendências. Se isso se efetiva numa vida cotidiana são outros quinhentos. Além disso, há uma intensificação gradual, mas as mudanças profundas nos costumes predominantes ocorrem a partir do século 20, ou mais fortemente a partir da sua segunda metade. Ou seja, os apetrechos instagramáveis da geração "alguma coisa" desembocam apenas na explicitação de que ocorre uma oscilação binária entre anarquia relacional e fechamento monogâmico. O que Unicornios enfatiza, nesse sentido, é o velho sexo casual. Não com uma valoração essencialmente negativa, mas com uma instabilidade de luzes e penumbras do cenário de balada. Antes disso, há uma fotografia rosada na cama de Isa, a bissexual.
Na gíria LGBT, unicórnio é uma pessoa que se relaciona ocasionalmente com casais. Esse conceito. de fato, já foi problematizado em textos teóricos por uma suposta coisificação que poderia haver em casais usando pessoas como se fosse um dildo. Generalização estranha, pois sempre há os casos concretos em que isso é apenas uma escolha de solteiro como outras. Curiosamente, o filme só se aproxima dessa definição quando há uma cena de ménage, embora talvez não se classifique o par em questão como um casal de fato.
Então, como Unicornios segue Isa de forma íntima e consegue ser um drama realista? A resposta se sintoniza com o tema das exposições artísticas em galerias arquitetônicas e digitais. Entre os adjetivos destacados de Isa, faltou a sinopse informar que é uma artista underground querendo enquadrar intimidades. Ela, no entanto, aproxima-se tanto dos corpos que fragmenta seus objetos como se fossem quebra-cabeças. Junto com isso, o desejo de criar perfis "cults" em redes sociais e voilà: um retrato afetivo e expositivo da socialização contemporânea, independente se é um adolescente ou um talvez um idoso. Aliás, o entusiasta, que se mostra cliente, é bem mais velho que ela. Nesse momento, o filme espelha a linha tênue entre formas de exposição, além de trazer a boa provocação para aqueles que juram que há uma barreira essencial entre a pornografia e o erotismo de pornô chique de festival.
E quanto às sinalizações de que Unicornios é um conto moralista? Certa amiga de Isa é que mais contribui com essa leitura, mas ela não estará lá para concluir seu raciocínio. A figura da mãe, sim, surge imponente, mas não é posicionada com nenhuma superioridade moral no retrato, havendo uma cumplicidade conflituosa. Aliás, num diálogo é comentado as diferenças nas ondas do movimento feminista.
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