Os Caras de Pau em
O Misterioso Roubo do Anel
(farsa,
BRA, 2014),
de Felipe Joffily.
por Paulo Ayres
O Leandro Hassum gordo deixou saudade. Ou seria saudade do seu personagem Jorginho? Afinal, Os Caras de Pau (2010–2013) foi uma boa série farsesca na televisão aberta brasileira, aliando a sintonia entre Hassum e Marcius Melhem (o Pedrão) em diversos ambientes e situações. E, como se trata do formato televisivo da multicâmera — aquele que dá um ar teatral à ficção audiovisual —, a transposição de Os Caras de Pau para o cinema, portanto, significa ver Jorginho e Pedrão no método mais sofisticado da single-camera.
Por mais que a direção de Felipe Joffily seja simples, Os Caras de Pau em O Misterioso Roubo do Anel é um progresso em mise-en-scène na comparação com o material original, superando também a risada enlatada. No entanto, junto a esse ganho narrativo, há uma perda no conteúdo da farsa: se os melhores esquetes do programa são aqueles entranhados na vida cotidiana, a trama do filme, por outro lado, é esticada e procura ser espetaculosa para fazer jus à carapuça de evento artístico. Assim, nesse perde-ganha, o longa se mantém mais ou menos no nível moderado de eficácia da série.
Ao utilizar a iconografia cinematográfica importada, o espelhamento da realidade é oblíquo em O Misterioso Roubo do Anel, porém, a farsa rearranja referências do imaginário nacional. A máfia lusitana de Manuel Capone (André Mattos), por exemplo, é uma síntese onde a piada vulgar de português burro se desdobra como uma lupa na própria tradição xenofóbica, presente (sutilmente ou não) em muito entretenimento “sério”. Isso acontece devido ao grau elevado de nonsense que o projeto abraça com autoconsciência. O próprio anel valioso da socialite Gracinha de Medeiros (Christine Fernandes) não tem a mínima importância para além de desencadear um giro de núcleos: policiais, ninjas, mafiosos, presidiários...
Falta elaboração no enredo, é verdade, mas o esquema conciso da sátira edificante oferece um percurso panorâmico — ainda que seja com o “velho truque” de apresentar aspectos de “filme de ação” —, para Pedrão e Jorginho refletirem os ambientes e as situações, em que estão de passagem, com interações e comentários. Hassum, desse modo, recebe a bola levantada algumas vezes, tendo um efeito que simula o frescor espontâneo (vigoroso na série quando gera escapes de improviso e riso real). Inclusive, na cena da radiografia na barriga, a típica lamentação desesperada do segurança ganha uma hilária versão estendida. Justamente a barriga que diminuiria nos anos seguintes, indicando Jorginho como coisa do passado.
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[0] Primeiro tratamento: 03/06/2021.
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