quinta-feira, 27 de julho de 2023

Controle realista

Head of the Family 

(comédia,
USA, 1996),
de Charles Band.


 
 por Paulo Ayres

Nas prateleiras de low-budget e direct-to-video, feito numa época em que nem existia o universo cinematográfico dos X-Men, um filme sobre mutantes chama a atenção: Head of the Family. O professor Xavier daqui é a cereja deste bolo da produtora Full Moon; não só como atração de maquiagem macabra, mas também como maestro — no enredo — dos movimentos inescrupulosos de negociação da convivência numa cidadezinha sulista (dos EUA). E, como já insinua o título, se trata de uma equipe com familiaridade sanguínea, tão integrada que são como partes do corpo de um mesmo indivíduo. O irmão que se torna a figura patriarcal, Myron (J. W. Perra), anula a individualidade dos outros três gêmeos, tornados quase zumbis e instrumentalizados por suas capacidades corporais: força, percepção e sedução. O familismo, de fato, não é excludente com o individualismo; essa techno-comedy deixa isso tão salientado quanto a cabeçona com poderes psíquicos.

Um passo além da Família Addams, dos freaks nobres de Tim Burton ou os dos irmãos Farrelly, os outsiders esquisitos de Charles Band (usando o pseudônimo Robert Talbot) não são nada sublimes — embora, por outro lado, também não sejam piores do que a sociedade capitalista em que vivem. Os Stackpools apenas refletem, acentuadamente, a reprodução social que coloca cada família nuclear como uma trincheira mercantil, mesmo que, nas esferas política e moral, tal competitividade seja regulada e camuflada, em algum grau, por projeções comunitárias. Nesse sentido, também há torpeza na vizinhança por trás da aparência de receptividade; e o casal protagonista, Lance (Blake Adams) e Loretta (Jacqueline Lovell), é a ilustração adequada do tom cinzento que a trama conquista. São golpistas do mais baixo nível, porém transmitindo sinceridade no caso secreto que possuem. A interação que Lance-Loretta — procurando se afirmar como núcleo familiar — tem com Myron-irmãos — núcleo familiar integrado de forma aguda — é, em última instância, uma forma específica de luta por excedente econômico. Uma chantagem derruba a máscara de trocas harmoniosas.
 
Há outras determinações em jogo, é verdade, e a comédia de Band sabe como indicá-las enquanto movimentos coexistentes durante o duelo de mentes vigaristas. Os “músculos” da família Stackpool se rebelam. Com isso, longe do papo cabeça (com trocadilho) de ficções científicas pomposas, Head of the Family também satiriza, cirurgicamente, o fetiche da ratio. O mesmo fetiche que embasa as projeções de cordialidade moralista e politicista em meio aos laços privados de famílias. Sátira realista, o filme reflete, esteticamente, uma res cogitans ciente de sua materialidade.

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[0] Primeiro tratamento: 06/08/2020.
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