sexta-feira, 28 de julho de 2023

Colecionismo zen

Kung Fu Panda III

(farsa,
USA/CHN, 2016),
de Jennifer Yuh Nelson
e Alessandro Carloni.


= = =
por Marcelo Hessel
Omelete/2016

Em poucas franquias hoje a cultura do fã e do consumo adquirem uma aura tão benévola quanto em Kung Fu Panda [2008–]. O terceiro longa da mais bem sucedida série da DreamWorks Animation segue a receita dos filmes anteriores — que misturam filosofia zen com referências do cinema de artes marciais, embalados num visual arrebatador — e aposta mais no colecionismo.

Porque ao mesmo tempo em que seguimos o crescimento espiritual de Po (que depois de ter se tornado um mestre do kung fu agora precisa dominar o poder do chi), num aprendizado que vai ficando cada vez mais ligeiro a cada filme, o panda nunca deixa de ser o representante do espectador em cena, o fã fascinado com seus ídolos, fascínio esse que se realiza no consumo.

Em resumo, Kung Fu Panda III é o confronto entre um fã “do bem”, Po, com suas piadinhas metalinguísticas de cinéfilo (a entrada triunfal, a saída dramática), e um fã predatório, o touro Kai, o ex-companheiro de Oogway que retorna ao mundo dos vivos depois de tomar a alma dos velhos mestres do kung fu (que Kai transforma em pedras e coleciona numa corrente). Ao contrário de Kai, o máximo que Po se permite, enquanto fã, é brincar por algumas horas com as armas e armaduras sagradas do templo.

Ao mesmo tempo em que fica difícil imaginar algo mais fofo do que ver panda pai e panda filho se divertindo juntos com seus brinquedos, e a questão do colecionismo volta sempre como piada na figura da Tigresa de miniatura, Kung Fu Panda III faz do consumo rápido também seu meio narrativo. Da trilogia, é o longa mais cheio de montagens pra dinamizar a trama (sempre apresentadas em estilizações de encher os olhos), o que passa a impressão de que as lições de Po vão ficando mesmo mais fáceis com os anos.

Em relação a essas narrativas compactas com poucos tempos fracos, Kung Fu Panda III ainda está longe de ser uma overdose de açúcar como os filmes de Madagascar [2005–], mas se há algo em comum entre as animações da DreamWorks é a capacidade de criar filmes incessantes sem que eles pareçam apressados demais. A cultura nerd também não é uma exclusividade de Kung Fu Panda; vem à mente o sucesso do primeiro The Avengers [2012], o filme definidor dessa tendência, com seus heróis transformados em action figures reais aos olhos do fã Coulson, com seus cards do Capitão América.

O que Kung Fu Panda tem de particular, sim, e que até hoje continua sendo seu maior triunfo, seu yin-yang, é a incrível capacidade de conciliar os esoterismos de desapego do Oriente com essa incontornável religião do Ocidente que é o capitalismo.

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