domingo, 26 de novembro de 2023

Corredor geopolítico

2012 
 
(folhetim,
USA, 2009),
de Roland Emmerich.
 

 

por Paulo Ayres

Parte da filmografia de Roland Emmerich — mais precisamente, Independence Day (1996), Godzilla (1998), The Day After Tomorrow (2004), 2012, Independence Day: Resurgence (2016)  e Moonfall (2022) — revela uma visão de destruir para rearranjar. Contudo, o gosto desse cara pela contemplação apocalíptica não é gratuito. Emmerich não é só um Michael Bay de origem alemã, como uma leitura superficial pode indicar. Há em seu cinema de blockbuster catastrófico um desejo de realizar uma “análise de conjuntura geopolítica”, em termos estéticos obviamente, que, se é disfuncional como a maioria em Hollywood, ao menos, garante um nível de interesse para perceber uma tendência (insuficientemente) autocrítica em meio à ideologia atlantista. Nesse sentido, o eco-folhetim 2012 é a experiência mais aguda, mais drástica, beirando o naturalismo, mas injetando uma dose de familismo como embarcação salva-vidas de uma narrativa funesta — Jackson Curtis (John Cusack) e sua família nuclear (reconciliada) só existem para servir como ponto de identificação para o espectador médio, em meio a tantas mortes na sátira edificante.

Apoiando-se numa espécie de religiosidade secularizada (profecia maia, monges tibetanos, arcas de Nóe com tecnologia de ponta...), a  trama de 2012 comete o grande pecado de dissociar o seu foco em catástrofes naturais com o tema — urgentíssimo — da ação danosa do capitalismo global, ou seja, a ação (auto)destrutiva do ser social alienado da natureza. Essa onda de desastres surge como uma fatalidade naturalizada, de causa externa, devido a erupções solares. Por outro lado, o elemento mais interessante na sátira é apresentar os acontecimentos como um conluio burguês mais ou menos ao estilo do drama Elysium (2013). Em 2012, os governos do G8, mais a China, têm pouco tempo para organizar a sobrevivência da humanidade e resolvem usar o critério do dinheiro e do apadrinhamento para financiar o projeto e escolher os sobreviventes — enquanto isso, alguns teóricos da conspiração que descobrem o segredo são eliminados. Esse desencanto político, porém, é atenuado e contornado quando alguns norte-americanos, implícita e simbolicamente, retomam a dianteira do mundo com uma iniciativa humanitária. O próprio presidente dos Estados Unidos, interpretado por Danny Glover, torna-se um mártir ao olhos da película.

Ademais, quase três horas de duração faz desse Juízo Final um espetáculo enfadonho. Seja uma limusine ou um avião, o leitmotiv é apenas fazer um ponto de fuga por entre uma paisagem que desaba, ou é engolida por fogo ou água dos efeitos especiais milionários. 2012, enfim, remete àquela conclusão de alguns que analisam criticamente certas tendências na ficção científica: para a consciência romântica (progressista ou conservadora), é mais fácil imaginar o fim do mundo do que a superação do capitalismo. Podemos acrescentar um anexo sobre o que se vê nesse folhetim: com certo grau dessa consciência, também é impossível perceber que a nova força de negação geopolítica do status quo mundial já está sendo gestada na expansão chinesa, embora ela, contraditoriamente, sirva-se do capital em sua estratégia. Para quem só vê, de maneira antidialética, o mundo desabando, não há diferença essencial entre a China e o G7 ou, até mesmo, considera pior esse país socialista. O fatalismo apocalíptico pode deixar de ser religioso, mas não deixa de ser metafísico.

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Lista de sci-fi feuilleton no subgênero eco-fiction:
[0] Primeiro tratamento: 27/08/2021.
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