segunda-feira, 19 de dezembro de 2022

Guerra fossilizada

Kong: Skull Island 
 
(folhetim,
USA, 2017),
de Jordan Vogt-Roberts.
 
 

por Paulo Ayres

Por mais que Kong: Skull Island tenha a sua razão de existir nos monstros (digitais) gigantes como espetáculo de maravilhamento e suspense, sua estrutura metafórica funciona como comentário das incursões militares a outras terras. Mais do que isso: ilustra como um mesmo agente bélico pode estar em campos opostos nos conflitos internacionais em determinadas conjunturas. Nesse sentido, é uma boa ideia juntar o tenente Hank Marlow (John C. Reilly) e o tenente-coronel Preston Packard (Samuel L. Jackson) como sínteses que refletem essa variação nos interesses dos Estados Unidos. O primeiro é um servidor militar da época da Segunda Guerra Mundial — momento em que os imperialismos estadunidense, britânico, entre outros aliados, lutaram ao lado do projeto humanista da história universal em disputa, junto do socialismo soviético, contra o imperialismo fascista —; desaparecido para a civilização, o barbudo viveu vinte e nove anos na ilha misteriosa, junto a um povo de comunismo primitivo que não sorri, mas é amistoso. O segundo é um servidor militar da época de Nixon (1973), ou seja, uma peça retrógrada da Guerra Fria invadindo países terceiro-mundistas para conter o avanço dos movimentos anticolonial e comunista. O primeiro, bonachão, não estaria deslocado como membro do pelotão do capitão John H. Miller, no tríler edificante Saving Private Ryan (1998). O segundo tem o perfil prepotente para comandar o pelotão do soldado Joker, na dramédia realista Full Metal Jacket (1987).
 
Diferentemente dos dois dramas citados, a sátira de Jordan Vogt-Roberts não é uma ficção histórica, e sim uma ficção científica. Além de engajado na causa antibélica, o folhetim levanta a bandeira da causa ambiental, mas, em meios às suas abstrações criptozoológicas, cria uma espécie sem muita referência na fauna terrestre: lagartos com dois membros, exagerados como criaturas horroríficas, para servir de vilões oriundos da esfera do ser biótico. Desse modo, mesmo que esse segundo filme do MonsterVerse tenha uma interessante proposta de contextualização histórica e uma autocrítica sobre os “desvios” dos EUA, o esqueleto do roteiro sustenta uma fórmula manjada do subgênero kaiju que foca uma contemplação distanciada de embates. Portanto, o gorila — que foi humanizado até certo ponto no eco-feuilleton de Peter Jackson, King Kong (2005) — é enfatizado no aspecto de animal deificado em Kong: Skull Island. Como se fosse uma divindade ecossistêmica, às vezes agressiva, porém disposta a colaborar com a turma ambientalista da sátira edificante.

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Lista de sci-fi feuilleton no subgênero eco-fiction:
[0] Primeiro tratamento: 17/08/2021.
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