terça-feira, 16 de janeiro de 2024

Tamanho família

The Amazing Colossal Man
 
(folhetim,
USA, 1957),
de Bert I. Gordon.
 

 
War of the Colossal Beast
 
(folhetim,
USA, 1958),
de Bert I. Gordon.
 

 
 
por Paulo Ayres

O macaco gigante Kong já foi sutilmente humanizado na ficção, especialmente na versão de Peter Jackson (2005), entretanto, ele não deixou de ser representado, essencialmente, como um animal. O gigante Glenn Manning, por outro lado, é o retrato de um ser social. É essa característica que garante algum impacto nos filmes The Amazing Colossal Man e War of the Colossal Beast, mesmo possuindo efeitos visuais bem vagabundos.

Bert I. Gordon é um diretor que ganhou o sugestivo apelido de Mr. B.I.G porque a sigla de seu nome indica uma temática recorrente dos seus folhetins de ficção científica: criaturas destacadas pelo tamanho. The Amazing Colossal Man, nesse sentido, chama a atenção porque põe em relevo a questão da humanidade, num enredo de “monstro” que se desumaniza gradualmente com sua transformação. O elemento perturbador é que a aparência continua humana. Independente da altura, é só um cara careca, doente e com “frauda”.

E é justamente esse único ponto interessante que é amenizado na continuação. War of the Colossal Beast insinua o caráter animalesco da criatura e, deste modo, sublinha a identidade de eco-fiction  — o primeiro filme só se classifica assim pelo assunto da radiação ambiental gerada pela bomba de plutônio e seus efeitos no organismo do militar. O gigante reaparece com a metade do rosto como caveira exposta e o título do filme troca “man” por “beast”. Contudo, mesmo que seja apenas a busca apelativa de incrementar o aspecto horrorífico do entretenimento, a melhor sequência da totalidade geral (de dois filmes) está nesse segundo: vários departamentos do estado norte-americano passando adiante a responsabilidade pelo caso do ex-servidor capturado no México, através de telefonemas. Não se trata, enfim, apenas de uma dose de tecnofobia na onda de filmes do pavor atômico da década de 1950, mas também do retrato da falência humanista presente nas estruturas de poder da democracia liberal. Obviamente, Gordon trata en passant esse pano de fundo, prefere se concentrar no quadro familista com donzelas (a noiva de Glenn no primeiro filme e a irmã no segundo), ônibus escolar e conversas amistosas de burocratas bacanas.

O subdesenvolvimento estético das duas sátiras edificantes é devido ao baixo orçamento? Sim e não. Há sátiras B que chegam ao romantismo crítico e, algumas vezes, até ao realismo. Tudo depende de como a debilidade será compensada por ideias criativas e uma encenação dinâmica, podendo gerar uma autoironia dos próprios recursos escassos. Os dois filmes de Gordon, no entanto, apresentam uma narrativa com um nível exagerado de distanciamento e artificialidade para o padrão folhetinesco. Uma solenidade patética com um didatismo que recorre a sonhos e explicações biológicas e militares. E se isso era algo comum na ficção audiovisual até certo tempo, então, para visualizar melhor esse clima infantilizado, é só perceber que isso é o equivalente em live-action dos folhetins da DC e da Marvel da linhagem clássica e pueril (em quadrinhos e animações) — vide a diferença entre Super Friends (1973–1985) e Justice League (2001–2004), duas séries, aliás, que contêm a personagem Giganta. É uma situação diferente do episódio sinistro do bebê jupiteriano (1974) em El Chapulín Colorado: por ser uma farsa, a imobilidade teatral e os efeitos toscos são componentes coerentes com a proposta ficcional apresentada. E essa é uma das boas referências posteriores ao homem colossal, como os longas Honey, I Blew Up the Kid (1992) e Monsters vs Aliens (2009).

Em meio à pequenez artística, uma Las Vegas “apagada” cai como uma luva. Por um breve momento, o gigante se entretém com os adornos enormes da cidade publicitária — grandes até para o seu padrão —, acha graça do exagero do nosso mundo capitalista. Se esse espetáculo precário e cadavérico fosse uma boa ficção, enfatizaria que ele nos estranha também.

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Lista de sci-fi feuilleton no subgênero eco-fiction:

[0] Primeiro tratamento: 09/11/2020.
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