sábado, 30 de dezembro de 2023

Satélite atlantista

  Planet 51

(comédia,
ESP/USA
/UK, 2009), 
de Jorge Blanco, 
Javier Abad e 
Marcos Martínez.
 

 
por Paulo Ayres

A indústria do entretenimento, no mais das vezes, pensa grande, mas não enxerga longe. Na estante de longas animados 3D, isso vai se explicitando cada vez mais, visto que, entre as tendências que se formaram, o mundo paródico é frequentemente requisitado. Em especial, um subtipo que aposta no “ianquemorfismo”, isto é, uma antropomorfização aguda na criação de outro mundo que espelha a sociedade estadunidense contemporânea. Já vimos sociedades de formigas, fantasmas, peixes, monstros, carros etc. Planet 51 é uma ficção científica que se insere nesse conjunto.
 
Essa comédia espacial é a inversão do medo da invasão alienígena, que teve destaque na sci-fi dos “anos dourados” do imperialismo (do pós-guerra até o fim dos anos sessenta), e, aqui, o terráqueo astronauta assume o papel de criatura alienígena num planeta distante. Sendo assim, qual é o problema com essa sátira edificante, que, aparentemente, possui um olhar compreensivo sobre o “outro”, o “diferente”, o “desconhecido”? Ora, comprar essa superfície moral é ser tão ingênuo quanto a representação diet dos anos 1950/1960 do american way of life. Em Planet 51, o que há, de fato, é uma projeção dessa ideologia como tábula rasa da onde se ergueriam distintas “normalidades”, tendo nessa formação social uma base civilizatória imprescindível, não ironizada em suas contradições estruturais. Aliás, o americanismo é tão pegajoso nessa mercadoria que comparece até na própria realização do filme, pois é um produto espanhol (Ilion Animation) com essência estadunidense. Por isso a cena em que o astronauta finca a bandeira dos EUA no solo se torna, ironicamente, uma mensagem involuntária da natureza da obra: uma tautologia artística.

O período refletido representa os anos de afirmação do atlantismo. Após a Segunda Guerra Mundial, começa o processo de dolarização mundial e a criação da Otan. Os países imperialistas se tornam, praticamente, satélites do imperialismo dos EUA — e a Espanha é um deles. O filme, como uma lente embaçada, ilustra essa filiação cultural, mas não a percebe, não a problematiza. Até mesmo uma expressão do anticapitalismo romântico de esquerda, o hippie, aparece rebaixada de seu nível (bom, nesse planeta-cidadezinha, os habitantes desconhecem até o roubo de carros). Planet 51 é, trocando em miúdos, a romantização da romantização do berço da geração boomer. O problema na trama é totalmente epidérmico e de recorte moral, enquanto o combustível irônico é apenas o fetiche da referência, uma nerdice de quinta categoria. A abordagem comediesca da animação ressalta a superficialidade do conteúdo. Com efeito, é melhor rever os cinco minutos do curta farsesco do Woody Woodpecker em que ele é confundido com um alienígena e, no final, é mandado de foguete para a civilização marciana: Woodpecker from Mars (1956). Mesmo se for pela centésima vez.

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Lista de sci-fi comedy no subgênero space fiction:
[0] Primeiro tratamento: 19/05/2013. 
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