sábado, 9 de dezembro de 2023

Vídeo caseiro

Scary Movie III

(farsa,
USA, 2003),
de David Zucker.
 

 
por Paulo Ayres

Tal como o primeiro filme (2000) da franquia, Scary Movie III restabelece a fórmula de estruturar, claramente, seu roteiro na paródia de dois filmes como fio condutor. Signs (2002), de M. Night Shyamalan, e The Ring (2002), de Gore Verbinski — uma ficção científica sobre invasão alienígena e uma ficção de fantasia sobre uma alma penada homicida. Aparentemente, esses dois dramas não têm nada a ver um com o outro e isso é algo interessante nessa farsa. Contudo, apesar de tão distintos, os tríleres estabelecem um diálogo sobre a fita de vídeo e o papel do televisor no seio familiar.

Scary Movie III não faz referência à cena da fita de vídeo da menina de Signs, mas estão lá versões da memorável cena “caseira” do ET e uma delas filmada (na trama) em São Paulo. Cindy Campbell (Anna Faris), aqui, trabalha no jornalismo televisivo e a sala do Morpheus é o local onde se assiste ao vídeo misterioso da mulher em preto e branco — The Matrix Reloaded (2003) e Eight Mile (2002) são as paródias secundárias. Ou seja, para conectar um enredo centrado numa fita de vídeo este universo está bem servido em sua ambientação temática. Acrescente a isso o fato de que numa farsa — ou, mais ainda, numa farsa metalinguística, como essa — tende haver uma dissolução de gêneros temáticos: gangsters, aliens e fantasmas podem conviver e nem há necessidade de identificar um momento predominante nos esquetes costurados.

Sai Keenen Ivory Wayans (e seus irmãos), que também dirigiu o segundo filme (2001), e entra David Zucker, um veterano na área. O sujeito, que é um dos moldadores dessa tradição cinematográfica de metalinguagem, retorna à sua casa estética. No entanto, ele já absorve mudanças que atualizaram o seu legado com uma necessidade de comentar de tudo um pouco, como se fosse um almanaque (anual) de atualidades. Por isso, pode parecer gratuita a sequência em que um alienígena surge disfarçado de Michael Jackson, mas a piada fácil criou uma surpresa divertida e se ligou a um assunto daquele momento. Além disso, reaparece outro nome ligado a essa tradição farsesca: Leslie Nielsen como o presidente dos Estados Unidos. No filme seguinte (2006) da série, ambos estarão, novamente, como diretor e ator. Mas nem essas mudanças conseguiram eliminar o vício de se afirmar como sátira edificante, ao optar por um final romantizado — se não totalmente, vide o piá que sofre bordoadas, ao menos uma dose excessiva para o seu padrão estilístico. Apenas a primeira farsa escapou dessa sina. Os demais filmes da série caem no poço do familismo.

= = =

Nenhum comentário:

Postar um comentário