segunda-feira, 25 de março de 2024

Extensão corporal

The Theory of Everything 
 
(tragédia,
UK/USA, 2014),
de James Marsh.
 


por Paulo Ayres

Arte edificante, bem edificante, The Theory of Everything é um drama biográfico que não ultrapassa a mediocridade estética. Por esse rótulo, mesmo quem não viu pode imaginar, mais ou menos, do que se trata o tipo de encenação. Entretanto, isso não significa que não haja, também, uma face interessante nesse filme sobre a vida de Stephen Hawking e que, apesar de não ser bem escrito e filmado — para o nível do seu gênero ficcional —, há elementos inusitados decorrentes da trajetória atípica do sujeito retratado.

Começando no ambiente universitário de Cambridge, o diretor James Marsh faz uma encenação básica e asséptica do roteiro que busca intercalar a atração dos dois jovens estudantes — ele de astrofísica, ela de literatura — com a (tentativa de) ilustração das descobertas iniciais de Hawking (Eddie Redmayne). Algo que parece um pouco com o recurso usado em outra cinebiografia de um gênio de determinada área, A Beautiful Mind (2001). Se uma dose exagerada de sentimentalismo juvenil já é difícil de engolir, imbricando isso em pretensas pinturas de referência cosmológica deixa tudo em grande escala. Quase se forma um painel de romantização panteísta, não completamente efetivado porque se trata de um filme sobre Hawking e seu compromisso com a ciência natural. A fisicalidade ganha um peso interessante na tragédia de Marsh. Essa história de vida é sobre o atrofiamento gradual de um corpo humano, ao mesmo tempo em que se torna uma mente destacada.

Depois da descoberta que Hawking possui uma doença de neurônio motor, o projeto do casal passa a ser um projeto de construção e resistência desse núcleo familiar almejado. Com o tempo, apenas os cuidados de Jane (Felicity Jones) não bastam como extensão do corpo de Hawking. Uma espécie de triângulo amoroso não oficial se forma com a entrada de Jonathan Jones (Charlie Cox), um viúvo que convive e ajuda na criação dos filhos do casal. Anos depois, ele se casará com Jane e Hawking se casará com sua nova enfermeira (Maxine Peake). Independente da separação e da reconfiguração de casais que ocorrem posteriormente, o que chama a atenção é quando vai se formando uma rede de convivência que atravessa e flexibiliza o padrão tradicional de família nuclear. A cooperação é um tipo de corpo coletivo e, na especificidade do ser social, isso envolve determinações afetivas também.

Stephen Hawking, por sua fama, também ilustra uma nova ampliação do corpo através do crescente desenvolvimento tecnológico da reprodução social. Nesse sentido, a atuação de Eddie Redmayne continua apurada quando está na cadeira de rodas com computador e sintetizador de voz embutidos. Um papel detalhista, no sentido anatômico, de buscar pequenos gestos e olhares como expressão humana coexistente com a aparente frieza do suporte da máquina. A limitação que há, como observado já de início, é do nível plastificado do drama de Marsh e não da performance de Redmayne. É isso: há um enredo dramático voltado para a fisicalidade, mas com textura artificial. Por isso a mensagem motivacional de “enquanto há vida, há esperança” ecoa como humanismo abstrato, bem abstrato.

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