sábado, 23 de março de 2024

Riso forçado

The Paleface

(comédia,
USA, 1948),
de Norman Z. McLeod.


 
por Paulo Ayres

O dentista viajante feito por Bob Hope não chega a ser um falso protagonista em The Paleface, mas tem um protagonismo diferenciado. Primeiramente, o personagem é um daqueles casos refletidos um tom acima do mundo que é apresentado em determinada obra. Um estranho no ninho. O atrapalhado Peter Painless Potter funciona como um vetor humorístico que estabelece a encenação comediesca por onde passa, como se suas interações trouxessem holofotes que estimulam o padrão de sátira intermediária. Nesse contexto audiovisual, é uma caricatura destoante e solitária que, ironicamente, tem um papel parecido com o gás hilariante que usa como anestesia odontológica. Tornado herói local sem querer, torna-se um agente do estado, sem saber. Prosseguindo na analogia: um agente sedativo.

Óxido nitroso. Esse é o combustível da comédia histórica de Norman Z. McLeod. Junto da artificialidade melíflua que era predominante na Hollywood clássica, a questão é que The Paleface não consegue nem mesmo encaixar a sua Calamity Jane (Jane Russell) de um modo, minimamente, subversivo. Como ela aparece primeiro, sendo libertada da prisão, essa Calamidade sim é a falsa protagonista do enredo. Além disso, ela que é recrutada pela democracia formal para ser uma agente provisória dos Estados Unidos na garantia da expansão colonial do Oeste. A personagem é baseada numa figura real que chegou a servir na campanha do General Custer e, nessa toada, o filme se sente à vontade para fazer a estúpida — e clichê em sátiras edificantes de faroeste — vilanização de um povo indígena. Derrotando a aliança entre contrabandistas de armas e nativos, a lúmpen ganha a chance de perdão jurídico e reincorporação moral — no caso, ser cidadã “de bem” e esposa.
 
A paisagem postiça só é bem aproveitada no duelo de Potter contra um pistoleiro mal-humorado. Nessa sequência, o diretor McLeod perambula pelo seu cenário oferecendo uma sensação de profundidade espacial, enquanto a piada visual é desenhada pelo desencontro dos dois homens armados. Depois disso, há algumas tentativas de refazer essa manobra que revigora o alcance do olhar cinematográfico, inclusive lançando o protagonista ao céu, mas sem o mesmo impacto. Mesmo o final  com uma perseguição costurada na edição de planos fechados, abertos, de estúdio e de externa real  apenas cumpre o ritual de suspense esperado.
 
Resta, como foi dito, The Paleface sobrecarregar seu herói fajuto. Empurrá-lo energicamente, como na piada repetida de ser arrastado por cavalos. A comédia é puro desequilíbrio narrativo.

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Lista de historical comedy:
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