quarta-feira, 20 de março de 2024

Coleta seletiva

Star Wars: Episode VII
The Force Awakens

(folhetim,
USA, 2015),
de J. J. Abrams.
 


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por Jorge Mourinha
Ípsilon/2015
 
Há, outra vez, gente neste universo, não apenas bonecos
 
Pensemos na saga de Star Wars como o software que faz mexer o computador. Ou, melhor ainda, como o sistema operativo do Windows. Por essa ordem de ideias, a trilogia original de 1977–1983 seria o Windows 98 ou o XP — o sistema de que todos gostam e que ninguém quer deixar de usar.

A trilogia das prequelas de 1999–2005 seria o Windows Vista — o patinho feio que toda a gente prefere fingir que nunca existiu. E a nova trilogia que agora arranca, já sem George Lucas, seria o Windows 10 — o novo salto em frente que emenda o rumo e o corrige, mas sem que para já as pessoas percebam se vão gostar tanto como do sistema original.

O que isto quer dizer, por outras palavras, é que J. J. Abrams percebeu o que lhe era pedido pela Disney e pela nova presidente da Lucasfilm — a produtora Kathleen Kennedy, durante anos braço direito de Steven Spielberg. The Force Awakens cristaliza Abrams como o “herdeiro escolhido” dessa geração de cineastas: o “episódio VII” da saga interestelar é uma nova meditação sobre a família, sobre pais e filhos, à imagem do que o cineasta fizera antes no seu reboot de Star Trek [2009] e em Super 8 [2011].

Retomando as principais linhas de força de Star Wars original de 1977 numa história que é suposta decorrer 30 anos depois de Return of the Jedi [1983], o realizador cria autenticamente uma “passagem de testemunho”, onde a presença do elenco original faz a ponte com a nova geração de heróis aqui introduzida: Rey, a sucateira, Finn, o desertor, Poe, o piloto, BB-8, o droide, e Kylo Ren, o novo vilão.

E, tal como nos filmes originais, existe um “factor humano” que é fortíssimo e nada dispiciendo: os melhores momentos de The Force Awakens dispensam por absoluto os efeitos visuais, os sabres de luz, as batalhas espaciais, para se concentrarem em dois actores a representar face a face, com a câmara e a sonorização ao seu serviço — o duelo silencioso entre Daisy Ridley e Adam Driver, por exemplo, ou os momentos entre Harrison Ford e Carrie Fisher. Há, outra vez, gente neste universo, não apenas bonecos.

Simplesmente, por muito que The Force Awakens mostre respeito, afeição, compreensão e gosto pelo universo original criado por George Lucas, fica também a sensação de que Abrams cumpre essa agenda com desenvoltura mas sem especial distinção nem invenção.

Este é um blockbuster “autoral”, com a “mão” de um realizador que sabe imprimir a sua marca mesmo em “encomendas”. Mas é também um filme que recicla e actualiza o original de 1977, tanto narrativa como conceptualmente (e mais não diremos para não estragarmos a experiência).

Nessa reciclagem, não consegue levar a saga Star Wars a “dar o salto” que a recolocaria na primeira linha e daria um novo fôlego às linhas de montagem hollywoodianas. Queríamos todos que The Force Awakens fosse uma nova Star Wars como em 1977? Queríamos, mas isso já não é possível. O Windows 10 não é mau, mas nunca poderá ser o Windows 98 porque os tempos mudaram. O filme que J. J. Abrams fez talvez seja o melhor filme que é possível fazer dadas as circunstâncias. E isso já não é mau.
 
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