quarta-feira, 3 de fevereiro de 2021

Tabuleiro helênico

Jason and the Argonauts 
 
(folhetim,
USA/ENG, 1963),
de Don Chaffey.
 

 

= = =
por Justin Kwedi
DVDClassik/2019

Jason and the Argonauts é sem dúvida a maior conquista do mago Ray Harryhausen e constitui uma ilustração ideal de sua imaginação abundante. O fascínio de Harryhausen por criaturas e universos fantásticos sempre foi combinado com uma meticulosidade marcante na maneira de transcrevê-los na tela. Ele foi iniciado na escultura ainda adolescente e teve a chance de mostrar seus primeiros trabalhos ao seu ídolo Willis O’Brien, cujos extraordinários efeitos em King Kong (1933) despertaram sua vocação. O'Brien o coloca sob sua proteção e o incentiva a ter aulas de anatomia no Los Angeles City College, etapa adicional que irá associar as fantásticas visões de Harryhausen com uma verdadeira busca de realismo na morfologia e nas proporções de suas criaturas. É essa vontade que o tornará o verdadeiro mestre do stop-motion (técnica baseada na animação de objetos quadro a quadro integrados em tomadas reais) que dominará a concorrência com contornos mais ásperos. Um longo aprendizado aguarda Harryhausen, no entanto, inicialmente decepcionante com seu mentor em declínio, Willis O'Brien em Mighty Joe Young [1949] (uma agitada variação infantil de King Kong) então mais enriquecedor com George Pal (outro mago, caso exista) na série Puppetoons [1932-48]. Depois de gerenciar sozinho a criatura de The Beast from 20,000 Fathoms (1953), de Eugène Lourié, Harryhausen pode finalmente pensar grande em parceria com o jovem produtor Charles H. Schneer para uma colaboração que durará 25 anos.

Os primeiros filmes da dupla permanecem sob influência, seja passada — 20 Million Miles to Earth (1957) e seu alienígena gigantesco semeando o caos contra si mesmo, sendo um decalque de King Kong — ou contemporânea — ataque The Flying Saucers (1956) surfando a onda sci-fi dos anos 1950). É com The 7th Voyage of Sinbad (1958), adaptação muito livre de contos de As mil e uma noites, que Harryhausen se abre para este maravilhoso mitológico que fará sua glória em suas produções seguintes — Jason and the Argonauts, as duas continuações que ele dará a Sinbad com The Fantastic Journey of Sinbad (1974) e Sinbad and the Tiger's Eye (1977), mas também The Clash of the Titans (1981) — e irá descomplexá-lo na apropriação de grandes textos de evasão inscritos no imaginário coletivo — The 3 Worlds of Gulliver (1960) segundo Jonathan Swift, L'Île mystérieuse (1963) segundo Júlio Verne e First Men in the Moon (1964) adaptando H. G. Wells. The 7th Voyage of Sinbad será um grande sucesso, cujo auge técnico e épico é um extraordinário duelo com um esqueleto animado em stop-motion. Com Jason and the Argonauts, que sairá cinco anos depois, trata-se, portanto, de repetir o feito em um espetáculo mais ambicioso ainda. O roteiro é relativamente fiel ao mito de Jasão e o velocino de ouro embora remova os aspectos mais sombrios e, arrebatados pelos altos e baixos, esquecemos que a história não acaba (ou Jasão que reconquista o trono). Destinado de forma voluntária e no sentido mais nobre do termo à juventude, o filme não trata evidentemente da sequência mais trágica da história, que Pasolini irá privilegiar em seu mais austero Medea [1969] alguns anos depois. Longe de ser uma simples vitrine para os efeitos especiais de Harryhausen (que acontecia quando o diretor não estava à altura da tarefa), o filme é elevado por uma realização eficiente e inspirada (soberbas cenas no mar, magnífica valorização do antigo decoro, como o interior do templo da deusa Hecate) de Don Chaffey, um artesão dos mais talentosos que confere fôlego e energia para a aventura. Todd Armstrong desempenha o papel de sua vida como Jason, arquétipo do herói orgulhoso, corajoso e de coração puro.

O resto do elenco de secundários [seconds couteaux] também são muito convincentes, em particular Honor Blackman (futura heroína de The Avengers [1961-9]) como Hera, deusa protetora de Jasão (erro ou distorção voluntária do mito, visto que se tratava de Atena na verdade), Nigel Green como Hércules ou Gary Raymond, que interpreta um Acaste muito cruel. Por fim, apenas as cenas um tanto teatrais com os deuses envelheceram com essas imagens kitsch de cenários vaporosos e atores ingleses em togas declamando como em Shakespeare (um clichê que continuará mais tarde em Clash of the Titans, a produção final de Harryhausen). Com este enquadramento ideal, a história é ainda mais emocionante e dá aos efeitos especiais de Ray Harryhausen uma graça e uma magia incomparáveis. Entramos no nível da fantasia com peripécias incríveis e um bestiário dos mais fabulosos: a fuga do gigante de bronze Talos, guardião do tesouro dos deuses, a captura das harpias... Os efeitos de transparência são aqui levados à perfeição e o stop-motion anima com sucesso criaturas cada vez mais complexas, como esta hidra de sete cabeças incrivelmente móveis. Após o simples duelo de The 7th Voyage of Sinbad, passamos ao multiplicado desta vez com a ameaça que emana de sete esqueletos carrancudos para uma sequência emocionante e virtuosa que terá traumatizado mais do que um jovem espectador. Esse casamento de arte e técnica opera completamente desde os efeitos puros da mise en scène (o incrível aumento da tensão e ansiedade beirando o horror quando os esqueletos saem um a um do solo) se combinando com o domínio do stop-motion levado ao seus últimos limites. O maravilhamento se cruza ao temor que temos por Jason, tudo graças à associação bem-vinda com um diretor inspirado, quando em produções menos bem-sucedidas apenas o aspecto da demonstração técnica poderia emergir.

Jason and the Argonauts continua a ser a produção mais popular de Ray Harryhausen, responsável por muitas vocações com Peter Jackson, Guillermo Del Toro e especialmente Tim Burton que lhe prestará uma soberba homenagem no videoclipe Bones, do grupo The Killers, que dirigirá em 2006.

= = =[0] Tradução de Paulo Ayres.
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