(folhetim,
CHN/USA, 2000),
de Ang Lee.
de Ang Lee.
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por Ruy Gardnier
Contracampo/2001
Contracampo/2001
Amável hibridismo
Se antes o cinema de Ang Lee interessava unicamente pela incrível imprevisibilidade com que vinha escolhendo os temas de seus filmes (realmente, há algo de se estranhar num chinês de Taiwan fazendo Sense and Sensibility [1995], The Ice Storm [1997] e Ride with the Devil [1999]...), depois de Wo Hu Cang Long sua obra se adensa, todo o híbrido cultural que o próprio Ang Lee é sai do off e passa à frente das telas. É adorável como a tradição é subvertida, talvez até inconscientemente, numa tentativa de ocidentalizar o cinema de wuxia pian, ou “capa e espada”, tão comum e impossível de exportar como os filmes de King Hu ou Tsui Hark. Acresce a isso uma história bem piegas, mas simpática, de dois casais cujo amor parece impossível. Ao fim do filme, um deles vingará e salvará o amor do outro casal num sacrifício muito comum aos grandes relatos hollywoodianos. Mas o que mais interessa em Wo Hu Cang Long não é nada disso: é a saudável sabedoria de que o cinema é arte visual, de que as soluções visuais são muito mais interessantes do que os achados roteirísticos. Num mundo de gladiadores e hannibals, de filmes onde a intriga já está toda resolvida pré-filme e o diretor é um mero atualizador do roteirista, o novo filme de Ang Lee surge como o avatar de um antigo modo de fazer cinema, que respeita os moldes narrativos mas que sabe responder visualmente aos problemas de criar beleza (pensamos em Hitchcock): o prazer do olho.
Porque em Wo Hu Cang Long, a história importa, mas o mais importante é saber como tornar ela cinema. É uma simples ficção de folhetim, onde um mestre sem motivação em conseguir discípulos tenta abandonar sua espada, para a tristeza de sua companheira de artes marciais (Chow Yun-fat e Michelle Yeoh, penetrantes e, hitchcockianamente, sabendo ser mais maquetes vestidas do que personagens interiorizados). Ao mesmo tempo, uma jovem de alta família veste-se de homem para furtar a espada (Zhang Ziyi); ela guarda uma vida dupla, na qual aprendeu artes marciais com uma antiga lutadora chamada Raposa Jade e envolveu-se amorosamente com um saqueador dos desertos. A partir daí a história toma dois caminhos principais, e duas grandes mensagens humanas: a) é preciso fazer o amor romper as barreiras da tradição; e b) é preciso dar liberdade às mulheres, sob penas de fazê-las infelizes e prejudiciais ao conjunto da sociedade.
O grande motor da trama, mesmo que os protagonistas sejam Chow (Li Mu Bai) e Yeoh (Yu Shu Lien), é a jovem Jen Yu. E a principal jogada do filme é a do discípulo. Jen Yu é discípula de Raposa Jade, uma mulher que teve seu amado assassinado, e esse laço de dor é compartilhado pela menina, pois ela deve, segundo a tradição, casar-se através de um casamento arranjado. Mas, ao mesmo tempo, ela deseja ser discípula de Li Mu Bai, pois sabe que ele é um verdadeiro mestre. Com perspicácia, o filme será a história de uma menina que deixa de ser histérica e ladra para transformar-se em mestra e mulher amada. Com mais perspicácia ainda, ele saberá fazer com que o amor impossível de Li Mu Bai e Yu Shu Lien — ela era noiva de seu melhor amigo, morto — possa se realizar à medida que eles transformam Jen Yu numa heroína e que finalmente podem reuni-la com seu amado, um amor também acreditado como impossível.
Mas isso é apenas parte da história. Porque a verdadeira história de Wo Hu Cang Long é outra, que não acontece na cabeça do espectador que tenta entender a história, mas em seus olhos enquanto observa as lutas tornadas bailes, na beleza dos cenários — todos eles em estúdio, à exceção do interlúdio amoroso do jovem casal —, e acima de tudo nos “voos” dos personagens enquanto eles se perseguem. Só que essa outra história é impossível contar, porque ela é visual. Mas não custa dizer que ela tem todos os méritos porque abandona o verossímil em nome do poético, aposta na beleza dos voos e ignora a lei da gravidade, faz profissão de fé na criatividade lúdica em detrimento da lógica um tanto descerebrada dos filmes que Hollywood — à exceção dos nomes habituais (De Palma, Eastwood, Scorsese, Carpenter) — continuamente perpetra. Wo Hu Cang Long pode ser a chance que o cinema criativo tem de mostrar a Hollywood que criatividade não é nenhum negócio da China, e que se uma ficção der asas à criatividade ela pode igualmente faturar muitos zeros no box office. E, independente disso, a chance de poder amar (ou não) uma mistura de The English Patient [1996] com Wong Fei Hung [1991] não deve ser perdida. Quando não, somente pelo charme híbrido que proporciona.
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Lista de fantasy feuilleton no subgênero epic fiction:
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