domingo, 21 de abril de 2024

Ciclo econômico

Mulheres à Vista 

(farsa,
BRA, 1959),
de J. B. Tanko.
 

 
por Paulo Ayres

A ideologia do desenvolvimentismo estava em alta no Brasil de 1959 e essa tendência econômica está no espelhamento estético de Mulheres à Vista. Zé Trindade, dessa vez, faz um malandro chamado João Flores que arma um esquema de financiamento para seu espetáculo de teatro de revista. “O negócio é comprar a prazo e vender à vista”, diz o empresário picareta que compra uma porção de bens (móveis, veículos e eletrodomésticos) para ganhar dinheiro com a revenda. Economia brasileira aquecida num ciclo temporário de expansão de consumo para certas camadas urbanas, o filme de J. B. Tanko ilustra essa onda. Porém essa sátira edificante emerge num momento histórico em que sua própria configuração lhe dá uma identidade de produto datado e mercadoria encalhada. A oferta de obras da Chanchada entrava, gradualmente, em contradição com a demanda.
 
Enquanto Zé Trindade está numa posição de maestro — até literalmente, regendo uma orquestra no improviso —, o pobre do Grande Otelo está tão deslocado que seu pequeno papel de coadjuvante parece mais um figurante de luxo com falas. Em Mulheres à Vista, o palco que interessa, de fato, é onde estão os espectadores, ou melhor, determinada espectadora de camarote: Madame Virtuosa (Estelita Bell), a viúva dona da casa teatral carioca. É assim porque a trama gira em torno do dinheiro, assim como evidencia que é a mediação do dinheiro que faz as coisas girarem no mundo capitalista. Mais do que em momentos anteriores, Tanko percebe que as vedetes e as canções funcionam como adornos e o que é mais básico é observar a questão do financiamento da arte. Certos adornos de roteiro, então, enfeiam o desenvolvimento do produto. Ironia involuntária: o subplot da vedete bonitinha faz isso, enquanto a vedete Boca de Caçapa (Consuelo Leandro) traz beleza farsesca. Melhor do que ela só o credor português realizando algumas passagens com a performance visual que é típica da farsa física.

A contração que esse movimento cinematográfico brasileiro experimentava faz parte de um ciclo de décadas. Sem recuperação, mas deixando um legado artístico.

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