segunda-feira, 22 de abril de 2024

Criança problema

Orphan 

(tríler,
USA/CAN/GER/FRA, 2009),
de Jaume Collet-Serra.


 
por Paulo Ayres

O que mais chama a atenção em Orphan não é a mescla de crueldade e infantilidade que movimenta a trama — algo já utilizado em outras obras —, mas como a crueldade é tratada infantilmente pelos realizadores do filme, ao fazer aquela velha e má escolha de dar requinte a algo que não pede requinte. Seria mais fácil lidar com um material assim numa sátira, mas Jaume Collet-Serra e sua equipe, sabe-se lá o porquê, nos dão um tríler, apostando na dramatização dos problemas familiares vividos pelo casal feito por Vera Farmiga e Peter Sarsgaard. Isso, mesclado ao método do “filme de susto” padrão, dá vida a um drama edificante que desperdiça seus elementos profundos de sofrimento familiar e extravasa seus momentos de violência. Nesse sentido, até mesmo a criativa revelação final perde parte do seu impacto, pois, nessa forma de encenação audiovisual, fica próxima do Clark Kent dramático de Zack Snyder, em Batman v Superman (2016), tirando e colocando os óculos como disfarce. Só não chega a esse nível patético porque Collet-Serra não filma de forma espalhafatosa como Snyder, pois deve ter consciência de que o conteúdo, em si mesmo, já tem um peso caricatural que precisa ser encenado com certo equilíbrio, na medida do possível.

Se Orphan conquistou uma considerável fama na cultura pop isso se deve em larga medida à atriz Isabelle Fuhrman, marcante como Esther, a órfã sociopata. Ela até repetiu o papel mesmo deixando de ser atriz mirim, vide a recente prequela — Orphan: First Kill (2022) — que não é dirigida por Collet-Serra. É como se o cineasta catalão, no filme de 2009, tivesse trazido a personagem estranha do seu folhetim criminal House of Wax (2005) para infernizar a rotina de uma solene família norte-americana de classe média. Fria e calculista, ela destoa de tudo ali na casa, no contraste de seus cabelos escuros e a paisagem nevada, nas roupas e gostos atípicos. O fato de Esther ser eslava e adotada incrementa no pacote preconceituoso do imaginário que teme o perigo externo adentrando a casa de uma tradicional família nuclear — embora a família não seja mostrada como um comercial de margarina, estava num período mais estabilizado. Deste modo, no contato da pequena manipuladora com as feridas familiares, nos damos conta que aquilo que poderia ter sido encenado com o frescor folhetinesco, realçando ironicamente determinados costumes, resulta num mystery thriller que caminha sorrateiramente na sua cafonice maniqueísta.

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[0] Primeiro tratamento: 29/05/2020.
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