(tríler,
BRA, 2013),
de René Sampaio.
por Paulo Ayres
A Legião Urbana possui duas famosas canções em estilo folk e que narram determinadas histórias como se fossem uma ficção puramente sonora. Contudo, enquanto “Eduardo e Mônica” é uma canção edificante de amor, “Faroeste Caboclo” é mais que uma longa e variante jornada de sensações, expressando o realismo artístico em sua letra.A adaptação cinematográfica conduzida por René Sampaio consiste em mais que preencher o fio narrativo existente com o material audiovisual, procura direcionar a trama, com acréscimos e lapidação, para um ponto seguro de adesão da média de entretenimento. No processo de romantização há uma busca por atenuar os momentos de impacto do enredo preconcebido enfocando o aspecto de sacrifício redentor. João de Santo Cristo (Fabrício Boliveira) não é o único mártir: seu pai (no período de sua infância), o primo Pablo que lhe dá uma Winchester 22 e, também, Maria Lúcia (Isis Valverde), são figuras que sucumbem no caminho do protagonista. Mortes com aura enobrecida numa estrutura de drama maniqueísta e panfletário. E, como bem notou Pedro Henrique Ferreira em artigo na revista Cinética, é a figura de Maria Lúcia que simboliza mais os elementos específicos dessa versão:
Quando, na canção, tratava-se de uma
menina culpada que é seduzida por Jeremias e trai João de Santo Cristo,
desencadeando daí o processo de vingança, Faroeste Caboclo (o
filme) faz questão absoluta de justificar moralmente as razões pela qual
ela vai engravidar do traficante sem vergonha. Ou seja, para proteger
João.
Destoando do tom estilizado e grandiloquente da canção, Faroeste Caboclo utiliza a contenção de elementos na encenação “verossímil”. Em vez do duelo satírico que atrai uma multidão e repórteres em Brasília, o filme se encerra num campinho de futebol amador. A alta burguesia da cidade deixa de ter apenas a função de espectadora ou, no máximo, de participante distanciada, para ter representação direta no tríler histórico. Jeremias (Felipe Abib) não é só o antagonista, é o playboy branco que contrasta fortemente com o (anti) herói preto, pobre e analfabeto. Representando a classe social intermediária está Maria Lúcia. Na canção também não há uma descrição da moça, mas aqui é branca e universitária, formando um par amoroso entre uma arquiteta e um carpinteiro. Realçados no trabalho material e trabalho intelectual, a intenção do longa é esboçar em contornos perceptíveis não somente as lutas de classes (e suas conciliações provisórias), mas também a divisão social do trabalho. Outra dimensão está sobreposta: as pontas masculinas do triângulo são também lúmpens do narcotráfico e, nesse ponto, também há outro dado curioso. Enquanto Santo Cristo planta e é associado com a maconha de qualidade, o roteiro insiste em associar Jeremias com o negócio da cocaína e como um vilão cheirador.
Os planos fechados em olhares aparecem raramente em Faroeste Caboclo. Aliás, as referências ao western são bem episódicas e o estilo e o conteúdo remetem mais a uma guerra criminal urbana que Cidade de Deus (2002) consolidou como uma tradição do cinema nacional. Nessa encenação está um grande trunfo de composição aproximada e de reconstituição cenográfica, geográfica, embora, por outro lado, não há nenhuma sutileza dramática em certas caricaturas dessa ficção criminal — vide Antônio Calloni fazendo um policial malvado e corrupto, empregado do crime organizado que é promovido. Enquanto isso, o pano de fundo do início dos anos 1980 parece um eco longínquo, com referências ao movimento do punk rock e sua versão brasileira que agitou a capital do país.
A solenidade marca a diferença entre a canção realista e o filme romântico. Se, no primeiro, a via-crúcis é também indicada como um espetáculo circense para a sociedade de classes e sua desigualdade social, a adaptação “séria” se desenvolve num microcosmo cada vez mais estreito. No drama edificante, a dita santificação da trajetória singular de Santo Cristo não ocorre pela interpretação de parte do público, mas pelo olhar narrativo contemplando uma espécie de Romeu e Julieta com tintas nobres — lembrando que, na obra de Shakespeare, o jovem casal morre por uma série de mal-entendidos, não como um sacrifício redentor. Na cela, João adquire uma ocupação de sobrevivência ao mostrar o jornal impresso da vez, mas a imediaticidade dessas manchetes fotográficas não se conectam a uma historicidade sentida.
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Lista de historical thriller no subgênero crime fiction:
- Cicatriz realista
- Prazer culpado
- Mira antidialética
- Comoção seletiva
- Final moralista
- Drama traído
- Jogo realista
- Acaso realista
- Farda naturalista
- Persistência visual
- Testemunha ocular
- Paisagem niilista
- Criança problema
- Mensagem de texto
- Farda romântica
- Encontro naturalista
- Velocidade de deriva
- Drama massacrante
- Cegueira vigilante
- Aldeia niilista
- Risada realista
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