terça-feira, 31 de outubro de 2023

Paisagem niilista

Melancholie der Engel 

(tríler,
GER, 2009),
de Marian Dora.


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por Tiago Ferraz
Zona Proibida/2021

O filme ideal para arruinar a nossa noite no sofá

Uma noite chuvosa na era covid, e uma constipação depois de ter passado uns dias nas multidões de Lisboa — o cenário pedia qualquer coisa para descontrair. E nada melhor que Melancholie der Engel para afastar pensamentos receosos — um dos filmes mais repulsivos e chocantes que já me passaram pela vista.

Parece mentira, mas as 2 horas e meia que o filme de Marian Dora me presenteou, quase que colocam num canto Salò [1975] ou Srpski Film [2010], já que aqui a loucura e a bizarria conhecem níveis bem maiores.

Marian Dora é o pseudónimo do misterioso realizador alemão por detrás desta e de outras polémicas obras, que já lhe valeram problemas legais e ameaças de morte. Para alguns, os seus filmes não passam de “pretensious artsy-shit”, uma cambada de filmes sem nexo para chocar. O certo é que o menu de Marian Dora não é de degustação fácil e os ingredientes dos seus filmes podem cair mal em muitos estômagos.

No repasto de Melancholie der Engel tudo é repulsivo — a começar pelo tom sépia da imagem. O aspeto amarelado e com névoa, criam uma atmosfera podre e doentia. Provavelmente, seria este o objetivo — um ambiente sujo e desagradável. Mas que funcionam como um claro aviso — isto não é para brincar aos filmes gore.

Como o realizador já disse, nas poucas entrevistas que existem no YouTube (com direito a cara desfocada) violência para ele não é entretenimento. Marian Dora quer que o espetador se sinta mal com o que está a acontecer no ecrã. Faz-me lembrar Pascal Laugier em Martyrs [2008], que pretendia criticar a popularidade de filmes violentos como Hostel [2005] ou Saw [2004] — “Vocês querem tortura? então peguem lá disto a ver se aguentam!”

Compreender a história foi-me difícil e mesmo o próprio Marian Dora diz que o filme é complexo e aberto a várias interpretações. Dois amigos, Brauth (papel desempenhado pelo ator pornô Zenza Raggi) e Katz (Carsten Frank, habitué noutros filmes de Dora) reencontram-se passados alguns anos e convencem duas adolescentes a acompanharem-nos para uma casa abandonada.

A partir daí, outros personagens vão compondo o grupo, para dar início ao festim mais depravado que já se viu: orgias, drogas, violência, sangue, urina, fezes, vómito, esperma — um batido de porcalhice que só piora à medida que o filme avança. Pelo meio há diálogos com referências literárias, autoflagelações e animais mortos. Sim, faltava chegar a este ponto.

Não está propriamente clara esta questão do maltrato animal — existe a morte de um gato, que segundo esta entrevista de Zenza Raggi (alguém percebe alemão?), foi encenada e a matança de um porco, que foi feita pelos habitantes da localidade onde gravaram o filme.

Insetos e répteis são também uma constante ao longo do filme. E eu, que gosto de caracóis e aranhas, já me sentia algo incomodado por ver esta bicharada a aparecer-me tantas vezes no ecrã. Já a matança do porco preferi nem ver, já que eventos desses, foram suficientes os que assisti em criança na minha aldeia.

Mas atenção, Melancholie der Engel tem também pontos positivos. O trabalho de câmara está muito artístico e a banda sonora é bastante agradável (de David Hess, conhecido pelo trabalho noutros filmes).

Curiosa também foi a realização do filme — Marian Dora, que trabalha quase sozinho e acumula várias funções nos seus filmes — disse que a rodagem foi um inferno. Mas não adianta muito — apenas que as 3 semanas de filmagem foram repletas de abuso de drogas, ódio e violência com graves consequências para os atores.

Um documentário sobre o filme, Revisiting Melancholie der Engel [2017], de Magnus Blomdahl, não parece esclarecer as dúvidas, mas sim “deitar mais lenha na fogueira” como dizia uma review na internet. Houve um desentendimento com um dos atores e material que teve de ser retirado por ter ido “longe demais”.

Depois de ver o filme, pergunto-me; como é possível haver imagens mais chocantes do que aquilo? Bem, pelas pesquisas que andei a fazer sobre o documentário, a resposta é sim. De facto, esta malta levou a dedicação como atores demasiado a sério. Mas o porquê, terão vocês de descobrir.

Como dizia um utilizador num grupo do Facebook — uma versão de Melancholie der Engel censurada, daria um filme de 15 minutos apenas com os personagens a caminharem no monte.

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Lista de crime thriller no subgênero mystery fiction:
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