terça-feira, 23 de abril de 2024

Paraíso perigoso

Bete Balanço

(folhetim,
BRA, 1984),
de Lael Rodrigues.
 

 

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por Andrea Ormond
Estranho Encontro/2006

Se tanta gente acredita que os anos 80 valeram a pena, Bete Balanço merecia ser relançado em DVD com edição caprichada.

Amado na época do seu lançamento pelo público sedento em consumir rock brasileiro na era pré-MTV, posteriormente ficou conhecido como a estreia bombástica de Débora Bloch no cinema — atriz até então acostumada aos papéis na TV, como na novela Sol de Verão [1982–1983]. Hoje em dia, salvando-nos o distanciamento histórico, pode ser lembrado como o primeiro filme da trilogia dirigida por Lael Rodrigues — falecido em 1989 —, com a safra oitentista do rock nacional.

Bete Balanço, Rock Estrela (1986) e Rádio Pirata (1987), os três filmes de Lael, representaram para seu tempo a mesma coisa que os filmes de Roberto Carlos representaram para a Jovem Guarda. Ultra-datados, ultra-ingênuos, podem soar também ultra-ridículos quando vistos sem a tolerância carinhosa ou a nostalgia desmedida daqueles que viveram (ou sonharam em viver) aquelas tardes de 1984. Um 1984 carioca, cheio de juventude, praia e o sonho de montar uma banda para ser famosa e “levar todos os gatinhos para a cama”, como dizia a canção das Metralhatxecas, parte integrante da trilha-sonora campeã de vendas.

Jabás do jeans Inega, do carro em formato de tênis da Olympikus, do posto de gasolina Ypiranga, convivem com pochetes, mullets, piscadelas, ruídos e dancinhas pretensiosas, que exacerbam as coreografias no estilo “Chorus Line”. Por sinal, atenção no início do filme: Andréa Beltrão, tal qual uma coadjuvante em Cats [1981], saltita ao lado de La Bloch e dançarinos, empunhando bandana, maquiagem pesada e roupas em tom cítrico.

Mas não bastasse esse deleite arqueológico, Bete Balanço apresenta na outra face da moeda — na primeira, a superexposição de Bloch, protagonista em tempo integral —, a imagem calcada em Cazuza e no Barão Vermelho, compositores do hit homônimo. A banda está de tal forma associada ao filme que os músicos inclusive atuam — há a cena clássica na praia de Ipanema, todos sentados em círculo — e servem de gancho para a trama: após ver Cazuza em um show na TV, Bete copia o número e o encena em uma boate da cidade mineira de Governador Valladares, cidade da qual a menina interiorana, recém-aprovada no vestibular, foge tentando seguir carreira artística no Rio.

Prestes a completar 18 anos, Bete deixa Valladares, a segurança de uma futuro tranquilo, com marido e filhos, e vai parar na casa de Paulinho (Diogo Vilela) — um amigo homossexual, viciado nos videogames Odissey. De início, Bete caça um produtor, que lhe prometera uma chance. Encurrala-o em um canto e eis que marcam para o dia seguinte um almoço no restaurante Sol e Mar — na época famoso pelo chiquê; em 1988, o ponto de saída para a trágica excursão do Bateau Mouche.

O produtor lhe dá um bolo e Bete conhece a personagem de Maria Zilda, ricaça que oferece entre indiretas bastante diretas algo que pudesse sustentar a coitada faminta, sem lugar para dormir. A mansão de Zilda é enorme, a piscina idem, mas a expectativa por um bom sexo lésbico na tela é frustrada. A tomada corta na hora certa e trocam apenas um selinho rápido, na típica organização pós-coito: duas moças sorrindo, um lençol na altura dos seios e uma delas indo embora.

Em seguida, no estilo cabeça feita de “o lesbianismo é só uma parte, não o todo”, Bete conhece Rodrigo (Lauro Corona) — fotógrafo que registra a agressão a meninos de rua, presenciada pela quase-estrela —, e tem com ele a versão hetero do romance; esta sim, demonstrada com exuberância de detalhes.

Por insistência de Rodrigo, que encarna o padrão de jovem estourado e justo, Bete assina contrato com um tycoon (Hugo Carvana). O rapaz invade o estúdio de gravação tremulando uma Basf-60 no ar, a mesma fita cassete que conterá a performance genial da namorada que a esta altura já estava viajando para Valladares, desiludida, “querendo dar um tempo”.

O final feliz para o casal chega no modelo de um esquete que lembra os comerciais de cigarros nos anos 80. O filme ganha um tom de fantasia, surge a zona portuária como cenário e a cantora ascende ao estrelato com um nova série de coreografias, soltando a voz pela derradeira vez.

Decisão um tanto quanto equivocada, Bloch não foi dublada em momento algum na filmagem. Mas quem em 1984 se importaria? O público entrava na sala escura “a fim de curtir um som” e de literalmente ver a música. Neste sentido, a mixagem de Roberto de Carvalho ressalta o carisma das gravações e o trabalho “vídeo-clíptico” de Lael Rodrigues — produtor de J. S. Brown, O Último Grande Herói [1980] e diretor de produção de Rio Babilônia [1982] —, aumenta a graça dos 74 minutos desta pérola, que encantou a infância e a adolescência dos trintões e quarentões de 2006.

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Lista de fantasy feuilleton no subgênero magical fiction:
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