segunda-feira, 24 de fevereiro de 2025

Inclusão niilista

Carrie

(folhetim,
USA, 1976),
de Brian De Palma.
 


por Paulo Ayres

Entre Carrie (1976) e Christine (1983) há paralelas e transversais que mostram horizontes distintos. Os dois folhetins cinematográficos são baseados em obras literárias de Stephen King, tratam da adolescência, bullying, ritos de passagem e vingança, porém apenas Christine consegue visualizar uma humanização para além do banho de sangue. E fez isso deslocando o protagonismo para um novo casal, ou quase isso, levando o nerd, figura central até então, para a posição de antagonismo.
 
Em Carrie, as coisas são um pouco mais complexas e, ao mesmo tempo, bem simples. Se a jovem Carrie White (Sissy Spacek) passa por um calvário, vislumbra por momentos o paraíso, sua passividade absoluta serve como um estopim para o momento vingativo, como um salto ôntico abrupto e despirocado.
 
Brian De Palma, ainda na juventude, filma com elegância, com planos e recursos audiovisuais que criam um espécie de cidadezinha onírica, tal como os cenários suburbanos de Halloween (1978) e A Nightmare on Elm Street (1984). A sequência do vestiário feminino, nos créditos iniciais, nos introduz a esse universo desnudado (até em um pouco de sentido literal) que o imaginário da high school à americana criou como uma primeira socialização comunitária com certos estereótipos.
 
Um ponto curioso em Carrie é que o gênero temático não está delineado de forma nítida. A guria isolada, que começou a menstruar tardiamente, sofre nas mãos de uma mãe superprotetora e fanática religiosa. Uma residência visualmente macabra por ter tanto adereço cristão, inclusive uma estátua sinistra de um santo martirizado. O martírio de Carrie, por outro lado, não é algo edificante como retratado na cultura católica. Seu sonho de inclusão comunitária revela que quer desfrutar a vida, não ficar fechada na resignação e penitência constante. Seu problema é que, além de não ter as habilidades necessárias para uma mínima integração na comunidade escolar, no processo de gradação qualitativa não há uma aprendizagem propriamente dita, sendo conduzida por um grupo de jovens com intenções cruéis para a exposição vexatória. Além disso, mesmo ela pesquisando na biblioteca, não há uma explicação conclusiva no filme para os seus poderes telecinéticos. Uma coisa aparentemente certa é que não há nenhuma entidade sobrenatural por ali; os poderes são de Carrie mesmo, e o resto é figuração de casa assombrada somente na aparência e na metáfora.
 
Como uma força maior, De Palma fecha seu filme de maneira que não há escapatória. A geografia de cidadezinha ensolarada continuará lá, mas, implicitamente, com o clima de angústia de uma sobrevivente traumatizada. O olhar arregalado de Carrie tranca as saídas do prédio do baile colegial e também, as da narrativa. No trajeto, cria-se um espaço determinista. Ninguém é poupado, nem a professora bacana de educação física. Da explosão de fúria à implosão residencial, cadáver sobre cadáver, a sátira niilista se afirma apenas como um exercício de contagem de corpos.

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