(dramédia,
BRA, 2006),
de Cao Hamburger.
BRA, 2006),
de Cao Hamburger.

por Paulo Ayres
Uma imagem é recorrente em O Ano em Que Meus Pais Saíram de Férias, Mauro Gadelha (Michel Joelsas) fitando o mundo exterior, com um olhar meio perdido, meio espantado, tentando decodificar aquele mundo que não consegue entender. E, pela sua idade, é algo que independente do contexto histórico, já é esperado com alguma intensidade. O título do filme já entrega o sentido metafórico, afinal a sinopse revela que as “férias” fazem referência à fuga de um casal comunista deixando o filho com o avô Shlomo (Germano Haiut), escondendo da criança a perseguição política do período retratado do Brasil.
Não se trata do “olhar Kubrick”, revoltado, cínico, misterioso ou despirocado. O olhar comentado de Mauro, através de fusca, sacada, janela, etc., aponta para uma tentativa melancólica de montar um quebra-cabeça sobre a realidade objetiva. Parece, em certo sentido, La Vita È Bella (1997), mas a criança do filme brasileiro, além de ser mais velha, não está sendo conduzida pela ludibriação protetora. O próprio adulto que se torna responsável pelo menino lhe deixa com certa margem de autonomia, praticamente largado num apartamento próximo. Aí que a dramédia de Cao Hamburger lembra mais é de outra comédia estrangeira: Home Alone (1990). No caso de Mauro, o isolamento residencial lhe permite desenvolver habilidades de trabalho material doméstico. Entretanto, para além da culinária e da faxina, trata-se de um processo gradual de integração comunitária ou inter-comunitária, pois a São Paulo romantizada se mostra uma metrópole acolhedora de diferentes etnias. Jogo amistoso, como a partida amadora entre judeus e italianos, O Ano em Que Meus Pais Saíram de Férias sobrepõe a celebração integrativa aos momentos de instabilidade. E quando se diz isso, está se falando mesmo dos acontecimentos cotidianos do círculo de Mauro, pois como drama edificante sobre uma autocracia burguesa, o pano de fundo está lá como figuras repetidas de um álbum conhecido: a pichação “abaixo a ditadura”, servidores do estado fazendo perguntas, cavalaria no protesto, etc. O filme, no entanto, se engrandece quando mistura os elementos da quadra histórica reproduzida, como os militantes de esquerda se integrando ao cotidiano e ao evento que coloca o país diante da tela, a Copa do Mundo de Futebol Masculino de 1970.
Em certo enclausuramento infantojuvenil e na direção de crianças, Hamburger traz sua experiência destacada no audiovisual. Nesta ocasião, todavia, não se trata de uma encenação satírica — a série farsesca Castelo Rá-Tim-Bum (1994-1997) e a comédia mágica Castelo Rá-Tim-Bum: O Filme (1999) —, mas uma encenação dramática. Além disso, o espaço geográfico é expandido para um panorama de bairro e as cenas externas deixam os momentos solitários como pontos preparatórios para uma interação mais ampla. Curiosamente, a competição esportiva de alta adesão cultural não se mostra, como numa crítica superficial e elitista, como momento de reforço da alienação, mas, pelo contrário, como breves momentos de desalienação, permitindo realçar certos laços sociais. Obviamente que esse tipo de comunhão concreta só se dá de maneira residual na nossa forma de sociabilidade, havendo o predomínio de um cotidiano formalizado pela lógica do capital. Aliás, O Ano em Que Meus Pais Saíram de Férias se chamava “Minha Vida de Goleiro” no projeto inicial, realçando que mesmo uma posição distinta, aparentemente excluída para determinada área, está participando de um “jogo” bem mais amplo, e também tem sua funcionalidade nessa dinâmica social.
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Lista de historical dramedy no subgênero political fiction:
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