sexta-feira, 4 de abril de 2025

Drama paradisíaco

 Tieta do Agreste 

(dramédia,
BRA, 1996)
de Carlos Diegues.

 

por Paulo Ayres
 
Obra feita na época de seca do cinema brasileiro, Tieta do Agreste até consegue ser um bom filme, mas o principal responsável por isso é Jorge Amado, que, numa participação especial, lê seu livro (1977) como se fosse um historiador contando detalhes de certa quadra histórica da região. A adaptação de Carlos Diegues peca pelo excesso.
 
Pode parecer estranho apontar a extravagância como um ponto negativo, mas é que o cineasta filma sua Sant'Ana do Agreste como paisagem dramediesca. A questão nem passa pela fidelidade do conteúdo adaptado, mas pela criatividade de como fazer os ajustes necessários para condensar a história. A dramédia política de Cacá até fala sobre o processo tardio de eletrificação da cidade pequena, mas o plano turístico do Estado da Bahia já é a própria feitura carimbada do filme. Não é implicância com o cenário multicolorido, os figurinos chamativos de Tieta (Sônia Braga) e a música de Caetano Veloso. A suposta tentativa de fazer uma dramédia “almodovariana” em terra brasilis tem sua lógica, porém, a comparação com o espanhol depõe contra o projeto brasileiro. Almodóvar, mesmo em trabalhos menores, é um mestre na armação do roteiro e inserção de dilemas relacionais aprofundados. Tieta do Agreste espreme o vasto conteúdo sobre costumes e usa como cajado de “pastoreio” estético as cores quentes e as dunas paradisíacas. Sua sorte é que, mesmo nessa viagem ligeira, transborda as personagens ambíguas do escritor — como a própria protagonista, uma filha pródiga que enriqueceu como cafetina em São Paulo.
 
A transposição entre o folhetim literário e o folhetim televisivo (1989–1990), por outro lado, é mais fluida, mesmo com as prováveis diferenças na novela Tieta, que, aliás, é uma ficção mágica. A sina de Tieta do Agreste, o filme, é se ater à superfície do relato volumoso. Se isso funciona bem na subtrama do sobrinho seminarista Ricardo (Heitor Martinez), realçando o lado patético junto do erótico, com personagens destacados como a beata Perpétua (Marília Pêra) e o camponês Zé Esteves (Chico Anysio) há um deslocamento que enfraquece a carga emotiva dos conflitos familiares.
 
O conflito político sobre a instalação da fábrica, aspecto determinante de gênero ficcional, é uma passagem protocolar para fazer menção entre a luta do anticapitalismo romântico do Comandante Dário Queiroz (Jece Valadão) e o racionalismo formal de Ascânio Trindade (Leon Góes). O jovem representante da prefeitura, contudo, é um veículo de romantização quando o assunto é o clímax afetivo do drama edificante. A jovem prostituta Leonora Cantarelli (Cláudia Abreu) é mais uma indicação que a cidade fictícia não é Cabaceiras.
 
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