
por Paulo Ayres
Obra feita na época de seca do cinema brasileiro, Tieta do Agreste até consegue ser um bom filme, mas o principal responsável por isso é Jorge Amado, que, numa participação especial, lê seu livro (1977) como se fosse um historiador contando detalhes de certa quadra histórica da região. A adaptação de Carlos Diegues peca pelo excesso.
Pode parecer estranho apontar a extravagância como um ponto negativo, mas é que o cineasta filma sua Sant'Ana do Agreste como paisagem dramediesca. A questão nem passa pela fidelidade do conteúdo adaptado, mas pela criatividade de como fazer os ajustes necessários para condensar a história. A dramédia política de Cacá até fala sobre o processo tardio de eletrificação da cidade pequena, mas o plano turístico do Estado da Bahia já é a própria feitura carimbada do filme. Não é implicância com o cenário multicolorido, os figurinos chamativos de Tieta (Sônia Braga) e a música de Caetano Veloso. A suposta tentativa de fazer uma dramédia “almodovariana” em terra brasilis tem sua lógica, porém, a comparação com o espanhol depõe contra o projeto brasileiro. Almodóvar, mesmo em trabalhos menores, é um mestre na armação do roteiro e inserção de dilemas relacionais aprofundados. Tieta do Agreste espreme o vasto conteúdo sobre costumes e usa como cajado de “pastoreio” estético as cores quentes e as dunas paradisíacas. Sua sorte é que, mesmo nessa viagem ligeira, transborda as personagens ambíguas do escritor — como a própria protagonista, uma filha pródiga que enriqueceu como cafetina em São Paulo.
A transposição entre o folhetim literário e o folhetim televisivo (1989–1990), por outro lado, é mais fluida, mesmo com as prováveis diferenças na novela Tieta, que, aliás, é uma ficção mágica. A sina de Tieta do Agreste, o filme, é se ater à superfície do relato volumoso. Se isso funciona bem na subtrama do sobrinho seminarista Ricardo (Heitor Martinez), realçando o lado patético junto do erótico, com personagens destacados como a beata Perpétua (Marília Pêra) e o camponês Zé Esteves (Chico Anysio) há um deslocamento que enfraquece a carga emotiva dos conflitos familiares.
O conflito político sobre a instalação da fábrica, aspecto determinante de gênero ficcional, é uma passagem protocolar para fazer menção entre a luta do anticapitalismo romântico do Comandante Dário Queiroz (Jece Valadão) e o racionalismo formal de Ascânio Trindade (Leon Góes). O jovem representante da prefeitura, contudo, é um veículo de romantização quando o assunto é o clímax afetivo do drama edificante. A jovem prostituta Leonora Cantarelli (Cláudia Abreu) é mais uma indicação que a cidade fictícia não é Cabaceiras.
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Lista de historical dramedy no subgênero political fiction:
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