por Paulo Ayres
O que seria do filme Cannibal Holocaust sem a música de Riz Ortolani? Não é possível determinar se conseguiria a mesma repercussão como objeto estranho cultuado, mas o fato é que há um impacto estético em ter uma belíssima música fazendo um contraste com a proposta apelativa de horror gore e violência voyeur. A melodia serena abre com uma visão área da floresta amazônica, nos créditos iniciais, e volta em algumas ocasiões. Na parte final, o tema musical de Ortolani parece que vai subir o tom novamente, mas é interrompida pela trilha sonora angustiante. Essa última aparece até quando a equipe de filmagem enquadra a morte real de alguns animais. Independente desse aspecto polêmico, para a totalidade são cortes antidialéticos.
Há três equipes de filmagem. Duas fictícias. O núcleo do enredo é o quarteto formado pelos documentaristas estadunidenses Alan Yates (Gabriel Yorke), Faye Daniels (Francesca Ciardi), Jack Anders (Perry Pirkanen) e Mark Tomaso (Luca Giorgio Barbareschi), aparecendo num found footage pioneiro. Há também outra encenação com estilo de reportagem falando sobre os aventureiros desaparecidos. E, obviamente, há equipe real de filmagem do italiano Ruggero Deodato fazendo essa sátira naturalista, mas, ao mesmo tempo, refletindo seu próprio procedimento sensacionalista. Harold Monroe (Robert Kerman) é e não é o alterego de Deodato. O antropólogo e dois guias entram na selva buscando indícios do quarteto (e seu guia), encontrando as latas com os rolos de filmagem. É como se Deodato ponderasse se vale a pena ou não mostrar o material degradante. No entanto, entre os arranha-céus de Nova York, uma “selva de pedra”, ocorre a projeção decadente.
Se Cannibal Holocaust está em listas de filmes ficcionais mais perturbadores da história é porque o pessoal da produção suou bastante a camisa com o choque violento, pois sua encenação é descaradamente artificial, no bom sentido satírico. Além de vísceras de animais, há imagens, algumas meio tremidas e desfocadas, de rituais de punição e canibalismo.
Ainda que o folhetim ironize a suposta “aldeia global” do mundo capitalista e faça o contraste aproximativo com as aldeias indígenas, nesse processo o que emerge e se cristaliza é a categoria social de crueldade como a unificação de costumes distintos. Na trama, há uma área chamada de “inferno verde” onde há povos sem contato com a civilização e, pelos menos dois desses povos, tornaram-se canibais por hábito alimentar e elemento de guerra. Nesse retrato bizarro das formações humanas sem propriedade privada e sem família nuclear, Cannibal Holocaust afirma um novo subgênero especulativo. Uma divisão temática do período do Exploitation Cinema e, mais amplo do que isso, uma especulação temática para a eco-ficção “re-imaginar” o comunismo primitivo.
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Lista de sci-fi feuilleton no subgênero eco-fiction:
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