(tragédia,
USA, 2008)
de John Patrick Shanley.
por Paulo Ayres
Na última frase de Meryl Streep, quando Doubt termina, percebe-se uma intencionalidade nítida no filme em não se fechar numa resposta definitiva. Tal como diz seu título, é uma suspensão de juízo e predomínio da incerteza. Isso, sem dúvida (ironia), confirma a complexidade de um drama bem cerimonial, não apenas no conteúdo e ambiente, como também, na formatação rebuscada. O diretor John Patrick Shanley adapta sua própria peça teatral numa dramatização cinematográfica em estilo clássico, fazendo da escola paroquial de 1964 um conjunto artístico de elementos “oscarizáveis”. Uma grife com direito à elegância e neve, mas também de presença humana destacada, como Viola Davis interpretando a mãe do primeiro aluno negro da escola do Bronx, Nova York.
Antes das lágrimas do desfecho, a Irmã Aloysius Beauvier (Streep) surge com uma presença incrível de personagem controladora, uma disciplina meio fantasmagórica — as lâmpadas que se apagam são, por sua vez, um elemento dispensável do roteiro. Sem dúvida, a cumplicidade contraditória que ela estabelece com a Irmã James (Amy Adams), uma terna professora de história, cria uma dimensão reflexiva em que a acusação duvidosa carrega um tom soturno.
A tragédia de Shanley é planejada de maneira profunda para que fique algo inconcluso. O Padre Brendan Flynn (Philip Seymour Hoffman), sacerdote prafrentex, tem uma conversa particular com o aluno negro Donald Miller (Joseph Foster), que aparenta estar com o hálito etílico. O estranhamento das duas irmãs católicas cresce, embora o da mais nova penda para não levantar falso testemunho. E é justamente esse ponto de moralidade, religiosa e laico-jurídica, que pode ser notado como um círculo que preenche outro sermão indireto, ligando-se com o sermão direto do padre, no início do drama edificante. Doubt tem sim uma camada complexa de “talvez” e de espelhar contradições nos bastidores da Igreja Católica. Porém, há uma limitação em sintonia com o cenário fechado, elevando o “sem dúvida” para a mensagem de presunção de inocência. Artigo importante do direito, sem dúvida.
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