The Great Dictator
(farsa,
USA, 1940),
de Charlie Chaplin.
por Paulo Ayres
Geralmente filmes sobre o fascismo clássico não enxergam além da superfície autocrática. Isso ocorre porque o fascismo alemão, em particular, se tornou o arquétipo de crueldade no imaginário contemporâneo e filmes sobre o nazismo criaram uma tradição superficial. Desse modo, utilizando a imagem nazista como um agregador de males, muitas vezes o desvincula de sua estrutura capitalista e contorna o fato de ser apenas uma ramificação da trajetória liberal-colonialista — isto é, um salto qualitativo em decadência. É o boneco de judas perfeito para o nosso mundo hipócrita pensar nesse fenômeno como um raio solitário caído num céu azul.
Mesmo o famoso filme The Great Dictator tendo uma força estética magnífica, ele padece dessa visão binária, não refletindo o que o fascismo clássico significa de fato. É um clássico do cinema, sátira memorável, manifesto humanista, mas não consegue ser um grande filme. A primeira obra falada de Charlie Chaplin é a que possui o material mais delicado na sua filmografia, feita no calor da Segunda Guerra Mundial. Em 1940, os Estados Unidos nem haviam entrado no conflito. Nesse sentido, Chaplin, nascido em 1889 como Hitler, foi perspicaz em captar o movimento histórico e perceber que o duplo do Vagabundo estava ali naquele estadista alemão histriônico e megalomaníaco. A semelhança pelo bigodinho qualquer um podia notar, mas ele é apenas a porta de entrada do jogo iconográfico em que o famoso personagem fraterno é sobreposto à figura tirânica. Ambos compartilhando certos traços na trama: dois palhaços distraídos; todavia contendo um conteúdo moral antagônico. Uma navalha pode ser um instrumento de tortura ou apenas para um serviço de barbear, no caso, ao ritmo de “Ungarische Tänze No. 5” de Johannes Brahms.
Mesmo o famoso filme The Great Dictator tendo uma força estética magnífica, ele padece dessa visão binária, não refletindo o que o fascismo clássico significa de fato. É um clássico do cinema, sátira memorável, manifesto humanista, mas não consegue ser um grande filme. A primeira obra falada de Charlie Chaplin é a que possui o material mais delicado na sua filmografia, feita no calor da Segunda Guerra Mundial. Em 1940, os Estados Unidos nem haviam entrado no conflito. Nesse sentido, Chaplin, nascido em 1889 como Hitler, foi perspicaz em captar o movimento histórico e perceber que o duplo do Vagabundo estava ali naquele estadista alemão histriônico e megalomaníaco. A semelhança pelo bigodinho qualquer um podia notar, mas ele é apenas a porta de entrada do jogo iconográfico em que o famoso personagem fraterno é sobreposto à figura tirânica. Ambos compartilhando certos traços na trama: dois palhaços distraídos; todavia contendo um conteúdo moral antagônico. Uma navalha pode ser um instrumento de tortura ou apenas para um serviço de barbear, no caso, ao ritmo de “Ungarische Tänze No. 5” de Johannes Brahms.
Independente do rumo que Chaplin coloca, o gênero da farsa serviu muito bem ao projeto. Na cadência pantomímica, as frigideiradas e as piadas visuais, até num avião de ponta de cabeça por exemplo, são momentos que se alternam com os comentários críticos sobre o racismo estatal contra judeus. E um lado não anula o outro, funcionando bem em contexto de extrema caricatura. O reflexo do objeto só está suavizado na forma, as implicações drásticas de um apartheid brutal são sentidas enquanto cerco sufocante no gueto, ditado pelos avanços e recuos nas táticas políticas da autocracia burguesa. Por outro lado, mesmo o ditador Adenoid Hynkel (paródia de Hitler) não sendo retratado como o demônio que grande parte das representações fazem, esse plot paralelo indica, em certas frases de autoridades, que há a visão de superfície com um republicanismo ingênuo, que enxerga a questão como mero desvio da democracia liberal. Até porque o título da farsa ao colocar a questão ditatorial como foco é um indício ideológico. Confirmado no grande discurso do final.
Chaplin, consciente do que estava ocorrendo no mundo naquele momento, se engaja numa responsabilidade sobre a questão. Entretanto, sua consciência artística se inclina para a militância política. The Great Dictator até se mantém equilibrado em boa parte de sua projeção, mas assume o caráter panfletário no desfecho. O discurso do barbeiro judeu, se passando por Hynkel, é Chaplin indo além de uma discreta quebra da quarta parede: é uma implosão ficcional como grito de protesto e uma expressão do levante das forças antifascistas da época. O conteúdo do discurso é um humanismo abstrato com uma visão politicista — e, portanto, superficial —, que, obviamente, nem fala nada sobre o imperialismo fascista ser uma variação piorada do colonialismo europeu voltada para seu próprio território. Ironicamente, o filme é mais maduro, revelando
camadas de complexidade, em momentos que apenas apresenta o
humor “torta na cara”.
A
paródia de Mussolini no filme, aliás, o expansivo Benzino Napaloni (Jack
Oakie), serve para ilustrar como o fascismo clássico se
desenvolveu em distintos países, com adornos e vocabulários próprios, mas
tendo um núcleo de identidade. Nos últimos tempos, ademais, o fascismo liberal tem sido uma tendência da extrema direita que conta, em parte, com o apoio de defensores moderados da democracia burguesa em certos pontos. Como ficaria o discurso do barbeiro num contexto assim? Até se o discurso fosse escrito por Bertolt Brecht o resultado seria o mesmo ao encaixá-lo assim no enredo: a sátira edificante.
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[0] Primeiro tratamento: 14/07/2021.
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