por Paulo Ayres
Há uma diferença fundamental no retrato naturalista de Ken Park em relação ao que foi visto em Kids (1995). O diretor Larry Clark e o roteirista Harmony Korine, desta vez, aprofundam o olhar sobre os costumes ao embaralhar as relações entre as gerações e ter como foco as vivências suburbanas de um cotidiano entre quatro paredes. Ou seja, já não se trata de um hiper-realismo desembestado que acompanha adolescentes saindo em malocas por aí e cotejando esse desregramento com um sisudo e paralelo mundo adulto. Não, Ken Park dá um passo além no desejo de panorama tragediesco e percebe que o jovem de hoje é o adulto de amanhã e as desgraças domésticas se reproduzem de forma mais complexa do que um choque mecânico entre gerações. Entretanto, essa expansão do olhar sobre a reprodução social é, de certa forma, extensiva, mas não intensiva, no sentido de desenvolver suas personagens com alguma profundidade individual. Cada casa é como um recorte de jornalismo policialesco competindo entre si numa suposta escala de sensacionalismo. Um close num pênis ejaculando é, aqui, um close anatômico e vazio.
O Ken Park que dá nome ao drama naturalista é como se fosse um quinto “friend” que apenas abre e fecha a narrativa, servindo somente como um símbolo da falta de rumo. Uma letra K invertida no fim de palavras indica a totalidade fechada. O determinismo registra e espetaculariza a si próprio: skate, namorada grávida, emprego precário e suicídio. No interior dessas “paredes”, que estão no início e no fim da projeção, desenvolvem-se quatro tramas paralelas que se acoplam apenas na reta final, numa cena explícita de ménage à trois que tinha tudo para ser apenas um recurso apelativo, mas que, ironicamente, representa um oásis afetivo na podridão constante. O filme separa um elemento juvenil, Tate (James Ransone), que maltrata o cachorro e os avós, como a representação falida da revolta e confina os outros três jovens numa espécie de fuga temporária e sigilosa. Um intervalo íntimo como um desvio de rotina dentro de cotidianos já desviantes que aparentam não ter uma mínima escapatória positiva. Faltou Clark encontrar um horizonte humanista em meio à barbárie como em Another Day in Paradise (1998).
A circularidade residencial em Ken Park se apresenta de maneiras variadas, mas o que predomina é certo tédio patologizado como natureza humana. Os círculos das mesas nos momentos de refeições familiares, e do jogo com o neto estúpido, soam como uma incompatibilidade de convivência e, ao mesmo tempo, como um giro inescapável de posições normalizadas. O exemplo da monotonia na casa da namorada de Shawn (James Bullard) é o mais emblemático: a televisão como babá eletrônica erotizada e o erotismo coisificado no sexo trivial com a sogra. Por outro lado, quando se injeta uma carga de estranhamento relacional na trama, ela vem sobrecarregada na crueldade: genitores canalhas que abusam dos filhos. Um dos pais representa a figura do machão implicante e o outro representa o religioso disciplinador. A quantidade de crucifixos que aparecem nos enquadramentos do plot sobre Peaches (Tiffany Limos) é redundante em indicar o catolicismo de comunidade latina na Califórnia. Cada um no seu quadrado. Ao menos na fachada da tradição. Ao menos no álbum desbotado de fotografia — e Ken Park, aliás, é codirigido pelo fotógrafo cinematográfico Edward Lachman.
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