Ficção tragediesca bem feita, A Filha do Palhaço já revela desde as primeiras sequências que segue um modelo de cinema intimista que irá privilegiar a gradativa construção climática de determinadas interações, colocando em cena uma câmera paciente de captação cenográfica com pequenos gestos da vida cotidiana. É sobre Joana (Sutter Lis), uma adolescente de catorze anos que vai passar alguns dias com o pai ausente, Renato (Demick Lopes), que está interessado em compensar a irresponsabilidade paterna. Ele faz stand up comedy em pequenos recintos de Fortaleza, numa performance tal como drag queen, mostrado como parte de uma tribo boêmia e precária, algo como um artista lúmpen ou quase isso. Ingredientes para gerar atritos o diretor Pedro Diogenes tem de sobra, no entanto, temos que nos contentar com os planos pacientes, bonitos, mas quase terapêuticos no sentido de suavização estética inadequada.
Ademais, o enredo em si, sobre a reaproximação afetivo-familiar, deixa transparecer um adereço panfletário nessa conciliação. A sequência em que a garota, num pequeno estabelecimento, defende o pai dos insultos LGBTfóbicos, além de destoar em artificialidade de encenação da maioria das composições cênicas, revela certa necessidade de sermão para além da cumplicidade gradual. A Filha do Palhaço, como drama edificante, possui essa característica binária com a sutileza audiovisual e a subida de tom para “purificar” personagens. Um exemplo desse pêndulo está nas duas cenas com a canção da cantora Joanna: na primeira, uma amostra sutil de vínculo familiar; na segunda, o exagero de um final familista (no sentido de fetichização).
Em certo momento de colocar as mágoas para fora, Joana diz que não se importa de ter um pai “veado, maluco e drogado”. Numa outra ocasião, ela diz que Renato também não deixa de ser careta como os pais geralmente são em algum grau. Já o filme em si embaralha responsabilidade com caretice, de certa forma. Uma dose de vertigem e abertura está fazendo falta.
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