sexta-feira, 14 de março de 2025

Sistema circulatório

Ghostbusters II
 
(comédia,
USA, 1989)
de Ivan Reitman.
 
 
 
por Paulo Ayres
 
As recentes sátiras que continuam a saga iniciada com Ghostbusters (1984) expandem o universo em expressões cinematográficas que têm como principal apoio de enredo o intenso referencial aos acontecimentos passados. A franquia possui um apelo fortíssimo na cultura pop e esse resgate sempre tem uma pitada metalinguística interessante de reavivar essa mitologia contemporânea aos olhos das novas gerações dentro trama, na diegese, e no componente extrafilmico, isto é, na publicidade e na recepção artística da juventude da vez. Em vista disso, um ponto curioso é que algo relativamente parecido já havia ocorrido na época, ainda dentro da década de 1980, quando foi lançado Ghostbusters II.

É uma continuação que, de certa maneira, se acopla com um legado de peso do primeiro filme, e intensificado pela série animada The Real Ghostbusters (1986–1991), colocando nas entrelinhas desse segundo filme uma indagação: “cinco anos depois, ainda há espaço para os ghostbusters?”. Se por um lado isso demonstra uma autoconsciência perspicaz, por outro, estranhamente a resposta em Hollywood foi um “não” por bastante tempo; embora o valor como peça de museu se manteve e, em países como o Brasil, as reprises constantes pareciam clamar um “Ghostbusters III” que nunca veio. É como se a autoironia no começo de Ghostbusters II se realizasse de alguma forma: os caça-fantasmas viraram tema de festa infantojuvenil, incluindo os símbolos e a canção tema.

Ghostbusters II, apesar de falar sobre vida após a morte, é uma tentativa simbólica de sobrevivência iconográfica. A cidade de Nova York é a extensão orgânica do filme e, na própria trama, a gosma rosa remete a algo como um metabolismo não visível na superfície. Substância espumante que corre nas veias da metrópole, ou seja, no subsolo, no esgoto e espaço de metrô abandonado. O roteiro usa esse suposto ectoplasma como o “mal puro e concentrado” que reflete a própria crueldade e a ideologia individualista que pairam nas relações sociais acima. Sem cair na pieguice, mas quase, a sátira edificante coloca o poder comunitário como contraponto romântico às emoções negativas e utiliza a Estátua da Liberdade como veículo em deslocamento para Manhattan e, também, como veículo imagético que busca afirmar essa franquia como um dado cultural da cidade. Nota-se, então, que o recurso ao grand finale gigantesco em efeitos visuais é distinto do que foi visto no Stay Puft da primeira comédia sobrenatural — recurso divertido, mas quase aleatório no seu desejo de desfecho gosmento.

O momento mais sintomático, no entanto, é a primeira ida ao museu. Ivan Reitman cria um discreto choque cultural, levando em conta que aquele quarteto fantástico — três parapsicólogos e um proletário agregado — representa um contraste com certa solenidade estética, ainda mais projetada no quadro imponente de Vigo (Wilhem von Homburg), filmado de maneira tão sombria que os cliques e piadas de Peter Venkman (Bill Murray) parecem uma afronta. A reconquista de Dana Barrett (Sigourney Weaver), mãe solo de um bebê, também é a vitória sobre a afetação intelectual personificada em Janosz Poha (Peter MacNicol), que representa a etiqueta sisuda.

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Lista de fantasy comedy no subgênero supernatural fiction:

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