por Paulo Ayres
Filme que confirmou Tim Burton como um cineasta diferenciado, Beetlejuice é o trabalho de um jovem diretor indicando que, mais que um artesão competente, é dono de uma assinatura estética destacável. Essa autoria, no sentido da singularidade, vai além de ser identificado como um sujeito fascinado pelo humor sombrio e personagens deslocados na sociedade. Até porque nesses vários tons de cinza, que vai do gótico ao emo, não há tanto espaço assim para a autenticidade, pois isso já é nicho de mercado e apenas uma tendência absorvida pela cultura pop. O que Beetlejuice tem de mais chamativo é a capacidade autoral de criar mundos distintos e colocá-los em choque, em dialeticidade — embora, nessa obra, há uma conciliação interfamiliar no final. Junto a isso, aquilo que proporciona o impacto imagético: o contraste de encenações dentro de uma mesma obra. Beetlejuice é uma comédia, predominantemente. O mundo dos mortos de Burton, todavia, é um ambiente farsesco, trazendo os traços bem estilizados dos desenhos e animações que o realizador faz.
Assim como a Barbieland do filme Barbie (2023), de Greta Gerwig, o além de Burton realça uma divisão importante no enredo. Entretanto, em Beetlejuice, essa caricatura extrema está diretamente a serviço de comentários sobre a nossa vida cotidiana, bem viva. O deboche da burocracia é nítido na sala de espera e nos falecidos aguardando com as senhas. Apesar de extravagante e multicolorido, esse mundo é regido pelo racionalismo formal, contendo até uma assistente para o caso, Juno (Sylvia Sidney). E, mesmo não havendo tantas sequências nesse exterior paralelo da casa, curiosamente essa tendência farsesca avança sobre a narrativa. O personagem que dá nome à comédia sobrenatural é uma entidade marginal que vai assombrar a trama de uma maneira inusitada. Esteticamente, significa um tipo de força com intervenções subversivas visando alterar o gênero do filme. Mesmo se esforçando bastante no desfecho, que é um casamento alucinado, Beetlejuice (Michael Keaton) não consegue. Fica na mesma posição do protagonista mágico de The Mask (1994), de Chuck Russell. No tratamento inicial do roteiro, aliás, dizem que tudo seria mais solene e mórbido, e Burton decidiu ajustar as coisas na abordagem comediesca.
Na convivência unilateral entre os falecidos Maitlands — Adam (Alec Baldwin) e Barbara (Geena Davis) — e os vivos Deetz — Charles (Jeffrey Jones) e Delia (Catherine O'Hara) — a mediação está na adolescente Lydia (Winona Ryder), garota dark entediada com o cotidiano e capaz de ver fantasmas. O casal original da casa se torna os hóspedes isolados no sótão vendo a reforma da própria residência pelo esnobe designer de interiores Otho (Glenn Shadix). Observam também Delia decorar o lugar com suas esculturas esquizofrênicas. A equipe de Burton, ironizando ainda mais a arte niilista, dá vida a essas esculturas com a técnica de stop motion e elas atacam sua autora. Uma forma de arte distinta é a que Adam realiza. Uma maquete que reproduz a pequena cidade em miniatura. Esse mundo dentro do mundo simboliza a alma dessa sátira edificante sobre universos contidos, com uma função direta até como cenário paralelo.
Ainda que o filme tenha uma marcante trilha sonora original de Danny Elfman — que continuará sendo um fiel colaborador de Burton —, o momento musical mais destacado é uma cena de possessão em que as pessoas do jantar resgatam o antigo calipso “The Banana Boat Song” de Harry Belafonte.
Ainda que o filme tenha uma marcante trilha sonora original de Danny Elfman — que continuará sendo um fiel colaborador de Burton —, o momento musical mais destacado é uma cena de possessão em que as pessoas do jantar resgatam o antigo calipso “The Banana Boat Song” de Harry Belafonte.
Beetlejuice, como se fosse um teste feito pela Warner, garantiu que Burton fosse confirmado para o folhetim Batman (1989) — obra que, apesar de não ser tão boa quanto Batman Returns (1992), já mostra o diretor escrevendo um novo capítulo das adaptações de HQs. Estranho é que o “bioexorcista”, diferente de Bruce Wayne, tenha demorado tanto tempo para ganhar uma sequência. Beetlejuice Beetlejuice estreia no segundo semestre de 2024.
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Lista de fantasy comedy no subgênero supernatural fiction:
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