segunda-feira, 21 de abril de 2025

Conjunto feminino

 Barbie

(farsa,
USA/UK, 2023)
de Greta Gerwig.
 


por Paulo Ayres

Farsa metalinguística, Barbie, o filme live-action, é um produto bem tardio — em relação à famosa linha de bonecas comercializadas — e surge com a intenção de refletir o trajeto dessa mercadoria, como ela acompanhou transformações e foi cravada no imaginário da cultura pop. Greta Gerwig comanda o projeto de modo que a própria Mattel, empresa do brinquedo, entre na metalinguagem como objeto satírico. Chamativo como a Barbieland, um mundo que reproduz as brincadeiras com bonecas diversificadas, está o edifício — mais frio que o FBI — da Mattel. Um círculo estúpido de executivos homens representa uma calculada inclusão social para mulheres no período contemporâneo. O CEO de Will Ferrell chefia como um vilão retardatário, cumprindo esse papel simbólico, aparecendo atrasado na perseguição. A casa de bonecas e a casa real têm contradições de sobra para sustentar o desenvolvimento do enredo que é simples, mas profundo.

Aliás, quem imaginaria antes que Barbie, o filme live-action, seria uma comédia pastelão? Já na escolha do gênero satírico Gerwig indica uma ousadia considerável. Filmes animados da Barbie — como Skipper and the Big Babysitting Adventure (2023) — tendem a ser comédias em sentido estrito. Do início, que parodia 2001: A Space Odyssey (1968), até o primeiro acompanhamento da vida cotidiana da Barbie (Estereotipada ou Barbie Barbie) de Margot Robbie, com uma rotina de “mentirinha”, Barbie sinaliza que a brincadeira é séria. É um faz de conta em que homens são mais que coadjuvantes, são deslocados como um subgrupo preenchendo o imaginário feminino como utensílios, como as peças das casas de brinquedo. Mundo invertido de muitas meninas, que vão crescendo e entendendo uma sociedade com outra configuração, embora com avanços consideráveis nos últimos tempos. Aqui está um ponto que a onda progressista não evita. Na Barbieland, homens são deslocados, mas a coisificação é a essência generalizada como no mundo extremamente mercantilizado. A boneca, ademais, projeta um ideal de beleza padronizado.

Fora da bolha de plástico, Ken (Ryan Gosling) descobre o patriarcado e se encanta com as possibilidades subversivas de opressão. A Barbie fica mais deprê ao se entender como parte integrada desse sistema. Gerwig, todavia, não joga o bebê junto com a água do banho. Pondera sobre a continuidade e a descontinuidade. Seria a boneca um símbolo do capitalismo sexualizado, como diz a menina Sasha (Ariana Greenblatt)? Seria uma fonte de representatividade feminina para inspirar pessoas como a mãe dela, Gloria (America Ferrera)? Nem tanto mar, nem tanto terra. Barbies inclusivas, astronautas, presidentas, ganhadoras do Nobel — ou megaempresárias, como a criadora Ruth Handler (Rhea Perlman), que aparece como um oráculo — abrem caminhos, desbravam uma maior participação, mas continuam uma parcela diminuta dentro da dinâmica patriarcal e de classes. A conciliação reformista emerge como a solução gradual no filme, mas, ironicamente, indica que o feminismo liberal, sem um horizonte mais amplo, desemboca na Barbieland, enquanto utopia, meta imaginária.
 
A farsa, porém, “resgata” a protagonista através de uma família nuclear de Los Angeles, conduzindo-a para certa normalidade romantizada — independente se essa era intenção de Gerwig, soa assim a sequência no carro real. Enquanto isso, a Barbie Estranha (Kate McKinnon), no mundo cor-de-rosa, representa outro caminho subversivo: a transgressão enquanto revolta limitada e individualista. Faltou ironizar aquele carro familista como algo de plástico também.
 
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